Comando Vermelho coopta garimpeiros para avançar sobre terras indígenas e explora dendê na Amazônia como fonte de lucro

O Comando Vermelho (CV) cooptou garimpeiros para avançar sobre terras indígenas na Amazônia, ampliou o controle sobre áreas rurais e está explorando culturas agrícolas como o dendê para diversificar as fontes de financiamento, revelam documentos obtidos pelo GLOBO. Integrantes da


O Comando Vermelho (CV) cooptou garimpeiros para avançar sobre terras indígenas na Amazônia, ampliou o controle sobre áreas rurais e está explorando culturas agrícolas como o dendê para diversificar as fontes de financiamento, revelam documentos obtidos pelo GLOBO.

Integrantes da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) avaliam que o domínio sobre essas áreas marca uma nova fase da expansão criminosa. O modelo combina garimpo, agricultura e comando territorial em áreas de baixa presença estatal, replicando na floresta o controle exercido pela facção nas favelas urbanas.

Na Amazônia, o CV já domina a Rota do Solimões, em que a cocaína entra no Amazonas via fronteira com a Colômbia e Peru e é direcionada a outros estados do país e ao exterior.

Operação conjunta em território indígena — Foto: Divulgação

Na busca por fontes de lucro além do tráfico de drogas, os criminosos encontraram o dendê. Nas cidades polo de produção do fruto no Pará, a Polícia Federal aponta a atuação do CV em territórios indígenas, comunidades quilombolas e em áreas ainda não demarcadas.

O Pará concentra quase toda a produção de dendê do Brasil. No ano passado, o estado produziu 3,1 milhões de toneladas, o equivalente à 97% do total do país, com um valor agregado de R$ 2,3 bilhões, segundo o IBGE. Já a cotação da tonelada do óleo de palma, extraído do dendê, na Bolsa da Malásia chegou a US$ 989 na semana passada, cerca de R$ 5,3 mil.

O delegado da PF Lucas Sales, que atua no estado, explicou que isso ocorre, por exemplo, em Tomé-Açu (PA), município de 64 mil habitantes a 200 quilômetros de Belém. Povos originários e fazendeiros disputam terras na região, em conflitos armados.

De acordo com Sales, indígenas “contrataram” integrantes do CV para fazer a segurança das aldeias diante dos confrontos. Nos locais, cercados por plantações de dendê, os criminosos enxergaram uma oportunidade de negócio.

— Eles (integrantes da facção) foram levados por lideranças indígenas, para fazer a segurança. Depois, descobriram que era rentável e começaram a explorar por conta própria — contou o delegado.

Na semana passada, uma operação da PF prendeu chefes do CV em oito cidades paraenses. Criminosos do estado também estiveram na mira da megaoperação no Rio, que teve 32 líderes da facção no Pará como alvos de mandados de prisão.

A presença na região também foi registrada em um relatório da Força Nacional de Segurança, de setembro deste ano. O documento descreve a disputa entre indígenas e integrantes do CV em Acará (PA), polo de produção de dendê localizado a 120 quilômetros de Belém. “É nítido o clima de tensão”, escreveu um sargento da Polícia Militar do Rio cedido à Força Nacional.

Ele informou que o cacique foi orientado a não tentar retomar o controle do local, mas ignorou o alerta e entrou em conflito com a facção, o que deixou a aldeia em situação de insegurança. “O risco é iminente de uma retaliação dos faccionados para a retomada do território”, acrescentou o policial.

Procurado, o Ministério da Justiça afirmou que atua de forma “permanente na prevenção, investigação e repressão de crimes ambientais, garimpo ilegal e atividades ilícitas que afetam comunidades tradicionais. A pasta destaca que operações com conjunto com outras instituições resultaram em R$ 1,66 bilhão em bens apreendidos neste ano.

No mês anterior, o Departamento de Mediação de Conflitos Fundiários Indígenas, que integra o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), enviou um ofício ao Ministério da Justiça e à PF solicitando em “caráter de urgência” o apoio para conflitos nas imediações da Terra Indígena Tembé, entre os municípios de Acará, Tomé-Açu e Tailândia, no Pará.

O órgão relatou constantes ameaças de indivíduos supostamente vinculados ao tráfico de drogas que tentavam se apropriar do território, além de casos de homicídios e indígenas baleados. Segundo o documento, mais de 70 famílias precisaram deixar uma das aldeias por causa da violência ligada ao interesse no plantio de dendê e extração ilegal de madeira, o que envolveu uma série de ameaças da facção. Procurado, o Ministério de Povos Indígenas afirmou que atua de “forma permanente e articulada” com órgãos de segurança para proteger os territórios. A pasta diz que as iniciativas em andamento “têm ampliado a presença efetiva do Estado”.

No Amazonas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) afirmou em ofício, em julho, que comunidades indígenas da região do Rio Abacaxis relataram avanço das facções criminosas com imposição, inclusive, de toque de recolher.

“Há relatos de tráfico de drogas, garimpo ilegal, plantação de maconha e outros crimes nas Terras Maraguá e Kwata-Laranjal, com a presença de facções criminosas e ‘toques de recolher’ em algumas áreas, classificadas como ‘regiões vermelhas”, diz a nota técnica. A Funai não comentou.

Entrada “facilitada” a garimpeiros

O avanço do Comando Vermelho sobre terras indígenas ocorre por meio da cooptação de garimpeiros e lideranças locais, num processo em que as facções se infiltram sob o pretexto de oferecer segurança às comunidades, ou para fornecer droga no varejo, mas acabam assumindo o controle do território. A partir daí, passam a explorar economicamente essas áreas, seja com o garimpo ilegal ou atividades agrícolas, como o cultivo de dendê, além de impor regras e intimidar moradores

Em agosto deste ano, o Ministério dos Povos Indígenas alertou que “a falta de segurança pública e fiscalização nas imediações dos territórios facilita a entrada de garimpeiros, madeireiros, pescadores, caçadores ilegais e piratas que disputam territórios em nome de facções criminosas”.

No mês seguinte, um servidor da pasta apontou que mulheres indígenas oriundas de municípios das regiões do Alto Solimões e Médio Solimões, no Amazonas, relataram graves episódios de violência física e sexual. Elas apontaram que “a condição de fronteira agrava a vulnerabilidade das comunidades, diante da atuação de piratas, garimpeiros, traficantes e facções criminosas”. O documento informou que há relatos de cooptação de lideranças indígenas por agentes vinculados ao garimpo e ao tráfico.

Em Roraima, no território indígena Yanomami, líderes locais e a Funai têm denunciado o “reingresso massivo de garimpeiros” em áreas recentemente retomadas. Os relatórios alertam para a reativação de garimpos e pontos logísticos, entre eles o ‘Garimpo Ouro Mil’, no território de Waikás, “local com registro de atuação de membros de facções criminosas”. O caso é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF).

Já no Mato Grosso, houve há três meses uma ação de desintrusão na Terra Indígena Sararé, que também integra a Amazônia Legal, para expulsar garimpeiros que estavam associados a facções criminosas. Um despacho do MPI aponta que eles haviam transformado o local na terra indígena mais desmatada do país, com 1.814 alertas de garimpo registrados pelo Ibama. Outro relatório da Força Nacional referente apontou que os garimpeiros da região integravam o CV e chegaram a entrar em confronto com policiais.



Conteúdo Original

2025-11-11 03:30:00

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