Já passaram 18 anos desde a primeira grande invasão ao Complexo do Alemão. Quase duas décadas depois, seguimos repetindo o mesmo roteiro: o Estado entra atirando, a imprensa transmite ao vivo, as autoridades prometem “recuperar o território” — e logo a vida volta ao normal de sempre: escolas precárias, oportunidades escassas e a torneira da violência aberta.
- Trama golpista: Primeira Turma nega por unanimidade recurso de Bolsonaro e mantém pena de 27 anos de prisão
O outro lado do normal em algumas cidades é este: tiros, bombas e corpos. Infelizmente. A manchete já não comove. É preciso mais corpos empilhados, mais câmeras, mais espetáculo.
- COP30: Brasil aposta em conseguir participação de países do Brics e G7 no fundo de florestas
A cada operação, a conta é previsível: mortos, feridos, viaturas queimadas, corpos tombados de ambos os lados. Policiais exaustos, meninos sem destino. E a pergunta que ninguém responde: o que foi feito entre uma invasão e outra? Quantas creches, escolas, universidades, centros culturais, oportunidades de trabalho surgiram nesses lugares onde o Estado só aparece fardado?
Na Faria Lima, os jovens são incentivados a sonhar grande, a investir, a abrir startups. Nas vielas da favela, são ensinados a sobreviver e a correr. Territórios do mesmo país, separados não por quilômetros, mas por escolhas políticas. Lá se premia o risco criativo; aqui se pune o simples ato de existir.
Enquanto isso, a engrenagem da guerra continua girando. Quem aperta o botão da operação raramente pisa no chão onde ela acontece. Não é ele quem corre, quem sangra, quem é acordado pelo som dos helicópteros. O custo de um dia de confronto — com munição, blindados, efetivo e funerais — poderia sustentar escolas, bolsas, oficinas de cultura e esporte durante meses.
E o enredo se repete: o telefone toca, o terror começa. Mais um soldado parte, mais um menino tomba. O Estado anota estatísticas. O povo anota ausências. O país assiste, como se fosse mais um episódio de uma série trágica que nunca sai do ar.
Estudos mostram que o Brasil gasta mais de R$ 20 mil por ano para manter um preso e pouco mais da metade disso para manter um aluno na escola.
Essa guerra não tem vencedores. Quem perde são sempre os mesmos: mães, esposas, filhos, irmãos. As lágrimas se igualam na dor e no abandono — das mães que choram seus filhos com farda e das que choram os que nunca tiveram uma. Mas quem se importa com essas mães? A máxima da guerra é: que chore a sua mãe, e não a minha.
Sabemos que esse enredo serve à nova fase do país — aquela que transforma tragédia em palanque e faz dos mortos, fardados ou não, ativos eleitorais.
Quando a poeira baixa, ficam as marcas nos muros e nos corações. O medo se espalha, o ódio fermenta, e o ciclo recomeça. Seguimos presos à lógica do confronto, incapazes de perceber que, enquanto celebramos supostas vitórias, enterramos mais um pedaço do nosso futuro.
Se quisermos vencer de fato, será preciso trocar o vocabulário da guerra pelo da vida. Investir em creches e universidades em vez de presídios. Em políticas públicas que enxerguem o jovem antes que ele precise ser contido. Em ações que ofereçam um caminho antes que o único caminho seja o beco sem saída da violência.
Até lá, continuaremos contando corpos, rezando pelas mães e repetindo o mesmo drama: uma guerra sem vencedores, em que todos perdem — e em que o preço da indiferença se mede em vidas.
2025-11-10 00:05:00



