O impasse em torno das comunidades Caiçara e Sabiá, em Arraial do Cabo, que vivem sob ameaça de despejo para a construção de um resort de luxo, reacendeu o debate sobre a ocupação de áreas protegidas. As duas localidades, situadas dentro dos limites do Parque Estadual da Costa do Sol, abrigam mais de 1.200 famílias que vivem há anos sob risco de remoção por causa do empreendimento.
As ordens de desocupação que ameaçavam as comunidades foram suspensas temporariamente pela Justiça em duas decisões: a primeira, em 16 de setembro, beneficiou os moradores do Sabiá; a segunda, em 16 de outubro, estendeu a medida ao Caiçara. Ambas atenderam a recursos da Defensoria Pública, que alertou para o risco de “dano social irreversível” diante da remoção de centenas de famílias.
A medida, no entanto, tem caráter temporário e não garante segurança definitiva aos moradores. O processo ainda está em andamento, e novos recursos podem ser apresentados.
Conflito antigo entre comunidade, Inea e empreendimento
A disputa pelo território se arrasta desde 2017, quando o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a empresa Ecoresort Empreendimentos de Ecoturismo S.A. iniciaram ações judiciais distintas, pedindo a demolição das casas sob o argumento de que estariam em áreas de proteção ambiental. O Inea pela questão ambiental e a empresa de olho no empreendimento.
O projeto do resort prevê a ocupação de uma faixa que contorna a Lagoa de Araruama até a Praia da Pernambuca, parte dela pertencente à Área de Proteção Ambiental (APA) de Massambaba e à zona de amortecimento do Parque da Costa do Sol, onde estão localizadas as casas de mais de mil habitantes.
Os moradores afirmam viver há mais de 20 anos na região, em áreas que já possuem infraestrutura própria e energia elétrica. A Prefeitura de Arraial do Cabo, que se opôs ao empreendimento, reconhece que as comunidades estão consolidadas. O município iniciou o levantamento topográfico e o cadastro das moradias para anexar aos processos judiciais.
Com o resort ainda sem licenciamento definitivo e os processos judiciais em tramitação, a expectativa agora recai sobre o debate legislativo.
Mobilização de moradores chamou atenção de deputados de fora da Região dos Lagos
A situação das comunidades ganhou força política depois que parlamentares visitaram as áreas e constataram que se tratam de núcleos urbanos de baixa renda, com características típicas de bairros populares.
O caso motivou uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), convocada pelos deputados Marcelo Dino (União) e Yuri Moura (PSOL), que preside a Comissão de Assuntos Legislativos. Mais de 250 moradores participaram do encontro, enquanto o Inea, o Ministério Público e a empresa Ecoresort foram convidados, mas não compareceram.
As lideranças comunitárias reforçaram o sentimento de abandono e cobraram soluções definitivas.
“Não somos invasores. Nossas casas são fruto de décadas de trabalho. Queremos respeito e segurança para viver aqui”, disse Michel Black, morador do Caiçara.
Projetos de lei propõem redefinir limites e regularizar moradias
Depois de anos de conflitos judiciais e protestos de moradores, a questão virou tema de dois projetos de lei apresentados pelo deputado Marcelo Dino (União). As propostas buscam corrigir distorções fundiárias, redefinir os limites das unidades de conservação e permitir a regularização de áreas urbanas consolidadas, como os bairros Caiçara e Sabiá.
Os textos reconhecem as regiões de moradia popular como áreas de ocupação consolidada, o que abre caminho para que sejam transformadas em APAs municipais, com regras próprias de ordenamento e controle ambiental.
“A proposta é técnica e socialmente justa. Corrige uma distorção que vem penalizando famílias que vivem há décadas nessas áreas, sem prejudicar o equilíbrio ambiental”, afirmou Dino. “O Estado precisa compatibilizar o direito à moradia com a preservação ambiental”, completou.



