Um ano depois da morte de menino de 4 anos, Polícia Civil de São Paulo ainda não concluiu investigação

Um ano depois da morte do menino Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, a Polícia Civil de São Paulo ainda não finalizou o inquérito do caso. Sem a conclusão da investigação, os sete policiais militares envolvidos no episódio


Um ano depois da morte do menino Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, a Polícia Civil de São Paulo ainda não finalizou o inquérito do caso. Sem a conclusão da investigação, os sete policiais militares envolvidos no episódio ainda não estão sendo responsabilizados judicialmente. A família de Ryan tampouco foi procurada pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para falar sobre a morte — seja para prestar condolências, seja para oferecer ajuda, seja para esclarecer os fatos.

Enquanto tenta lidar com o luto e cuidar dos outros dois filhos que ficaram, a mãe de Ryan, Beatriz da Silva Rosa, diz que está difícil manter as esperanças.

— O que eu falo pros irmãos dele? O que eu falo pra minha filha Manoela, que não dorme mais, não brinca mais? O que eu explico para o João? O Estado não tirou só meu filho, tirou também a infância dos meus outros dois — lamentou Beatriz. — Ao mesmo tempo que quero acreditar [na Justiça], eu desacredito. Dá muita revolta, está demorando demais para ter uma resposta.

O Código de Processo Penal prevê o prazo de 30 dias para a Polícia Civil relatar um inquérito, com a possibilidade de prorrogação. O GLOBO apurou que, em um ano, o delegado responsável fez sete pedidos de dilação de prazo ao Ministério Público. Em duas das solicitações, a Promotoria concedeu a extensão. Nos outros cinco, não deu retorno, e a investigação prosseguiu normalmente.

Ryan foi morto no dia 5 de novembro do ano passado durante uma ação policial no Morro do São Bento, em Santos, no litoral de São Paulo. Além dele, morreu também o adolescente Gregory Ribeiro Vasconcelos, de 17 anos. Um terceiro estava presente na cena: Luiz Henrique Rocha Alexandrino Marques, que foi baleado, mas sobreviveu. Na época, a PM alegou que os agentes dispararam em legítima defesa, durante troca de tiros com os jovens.

A Defensoria Pública de São Paulo, responsável pela defesa do adolescente, solicitou à investigação uma série de laudos complementares a fim de tentar provar que Vasconcelos e Marques não trocaram tiros com a polícia, conforme alegaram os agentes. Se a tese vier a ser comprovada, o caso passaria a ser tratado como uma execução por parte dos policiais.

O tiro que matou Ryan partiu da PM, de acordo com o laudo balístico. O disparo saiu de uma espingarda Benelli M3, calibre 12. Na noite da morte, segundo o Boletim de Ocorrência, a arma estava em posse do PM Clovis Damasceno de Carvalho Junior.

Segundo as investigações, os laudos necroscópico e balístico da morte de Ryan não deixaram dúvidas de que o projétil que matou o menino partiu da arma de um PM, o único na cena do crime que tinha uma calibre 12, compatível com o tiro que acertou o menino. A hipótese mais provável até agora é de que os PMs revidaram os disparos da dupla mirando na direção de onde eles vinham, e um dos tiros dos PMs bateu no chão, ricocheteou morro acima e atingiu Ryan, cerca de 70 metros à frente. A bala pode ter batido também no cimento da rampa da garagem antes de acertar a criança.

A defesa do PM Clovis Damasceno de Carvalho Junior não foi encontrada. O espaço permanece aberto para manifestação.

O caso foi investigado também pela Corregedoria da PM em um inquérito policial militar. O IPM foi concluído e remetido à Justiça Militar, que encaminhou o caso para a Justiça comum. Dos sete PMs, quatro estão desempenhando funções administrativas, segundo a Corregedoria.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informa que o caso é investigado pela Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Santos, sob segredo de Justiça. “A autoridade policial aguarda um laudo complementar do Instituto Médico Legal (IML), solicitado pela defesa, para o esclarecimento integral dos fatos e prosseguimento das responsabilizações cabíveis na esfera criminal”.

A pasta acrescenta que a Polícia Militar instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar todas as circunstâncias da ocorrência. “O procedimento foi concluído e encaminhado ao Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo em janeiro deste ano. A Corporação aguarda a manifestação do Ministério Público e a decisão da Justiça Militar para a adoção das medidas cabíveis”.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo diz que, por meio do Rede Apoia, atua em favor da família de Gregory Ribeiro Vasconcelos no inquérito policial que investiga as circunstâncias de sua morte. “A Defensoria Pública solicitou a complementação do laudo pericial do local dos fatos. Outros exames complementares também foram requeridos. A instituição aguarda a juntada desses documentos ao inquérito policial”.

Segundo Beatriz, naquele 5 de novembro as crianças saíram da escola e foram brincar na porta da casa de um vizinho, até a hora de ir dormir. Quando os tiros começaram, perto das oito da noite, foi um corre-corre. Os adultos tentavam recolher as crianças para dentro. João Pedro, irmão mais velho de Ryan, na época com 10 anos, tinha ido até uma mata próxima buscar a bola e se abaixou para não ser atingido — onde mora, desde cedo se aprende o que fazer durante um tiroteio. Ryan atravessou o portão caminhando para se refugiar. Foi só um tempo depois que a mãe das crianças percebeu que seu caçula, já pálido, até meio roxo, tinha um buraco na barriga. O menino havia sido atingido por um tiro. Morreu horas mais tarde no hospital, depois de passar por uma cirurgia.

Bia, como é conhecida, se mudou depois que perdeu o filho, um quarto e sala no mesmo morro onde nasceu e cresceu. A merendeira tenta se recuperar de uma sucessão de tragédias. Em nove meses, Bia perdeu o marido e a avó que a criou. Assim como seu caçula, o companheiro Leonel Andrade Santos, de 36 anos, também foi morto durante uma ação policial, na Operação Verão, que vitimou 77 pessoas na Baixada Santista entre 18 de dezembro e 1 de abril. A polícia afirma que ele, deficiente físico e dependente de duas muletas, trocou tiros com os agentes. Até hoje, Bia tampouco teve explicação para a morte do marido. O Tribunal de Justiça de São Paulo arquivou o caso neste ano a pedido do Ministério Público.

Agora sozinha com seus outros dois filhos, ela conta com a ajuda da família para seguir. O salário de merendeira de uma escola estadual é pouco para pagar aluguel, conta de água, luz, internet e sustentar duas crianças pequenas.



Conteúdo Original

2025-11-05 03:01:00

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