“Monstro: A história de Ed Gein” começa ambientada numa zona rural do Wisconsin e a câmera passeia por uma estrebaria onde alguém ordenha uma vaca. Todos os elementos no quadro evocam pureza e inocência: a manhã ensolarada, o leite num balde e a neve que cerca o lugar. A placidez, entretanto, é aparente. Personagem central dessa narrativa e dessa cena, Ed Gein (Charlie Hunnam) ficou conhecido como O Açougueiro de Plainfield. Matou várias mulheres e guardava pedaços de seus corpos, sobretudo os órgãos genitais, como troféus. Morreu numa clínica psiquiátrica em 1984. Sua trajetória inspirou “Psicose”, livro de Robert Bloch de 1959 que depois virou um filme de Alfred Hitchcock.
A produção tem oito episódios, acaba de chegar à Netflix e já ocupa o topo do ranking das mais vistas da plataforma. Essa é a terceira temporada de uma antologia. Em 2022, ela retratou Jeffrey Dahmer. Em 2024, foi a vez dos crimes dos irmãos Erik e Lyle Menendez. O espectador reconhecerá a marca indelével de Ryan Murphy, figura importante da TV americana e criador também de “American horror story”, de “Feud” e de “American crime story”.
Gein cresceu num lar violento, com um pai alcoólatra e uma mãe ultra religiosa, muita rigidez moral, opressão e obscurantismo. Na escola, se encantou com os livros didáticos que continham figuras de indígenas escalpelados durante a conquista do Oeste. Jovem adulto, ficou fascinado com os relatos vindos da Europa no pós-guerra. Uma revista em quadrinhos capturou sua atenção em especial: a protagonista era Ilse Koch, a Cadela de Buchenwald, uma nazista que fabricava abajures usando pele humana.
Em 1945, a mãe de Gein (Augusta/Laurie Metcalf ) morreu e ele rompeu sua última conexão social importante. Isolado, instalou o cadáver dela embalsamado numa cadeira de balanço. Conversava com a morta como se nada tivesse ocorrido.
Charlie Hunnam está suntuoso. O Gein que ele apresenta tem uma voz doce e aveludada. Essa escolha reflete os contrastes que Murphy propõe. É um jogo de estetização e de sacralização do horror: a paisagem pacífica e bucólica se opõe aos crimes terríveis que acontecem; o silêncio domina a maior parte das cenas e leva o público a imaginar os gritos das vítimas.
Vem me seguir no Instagram
Não espere uma reconstituição formalista ou simples. O roteiro desvia do caminho linear, porque ele próprio flerta com o delírio do seu personagem central. Várias pontas narrativas vão se cruzando. A uma certa altura, “Monstro” embaralha cronologias, abandona o Wisconsin e mergulha em Hollywood e nas filmagens de “Psicose”. A famosa cena do esfaqueamento no chuveiro é reencenada. Tudo para, em seguida, quebrar mais uma parede e se abrir para as reações de choque do público nos cinemas e para a vida privada de Anthony Perkins, astro do filme.
“Monstro: A história de Ed Gein” tem muitas qualidades, mas se perde um pouco nesse sem número de tramas. Sua força acaba diluída nos excessos.
2025-10-12 07:01:00