‘Máfia dos concursos’: como era o esquema familiar que cobrava até R$ 500 mil por cargo
Uma operação da Polícia Federal revelou um esquema de fraudes em concursos públicos que funcionava como uma estrutura familiar e altamente organizada. O caso ganhou repercussão nacional ao expor como grupos criminosos conseguem driblar sistemas de segurança considerados complexos, colocando em xeque a integridade de processos seletivos públicos.
O grupo, com base no sertão paraibano, teria utilizado tecnologia de ponta para garantir aprovações fraudulentas, incluindo o uso de pontos eletrônicos implantados cirurgicamente e acesso antecipado aos gabaritos das provas.
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Para esclarecer os principais pontos da investigação, o g1 preparou 10 perguntas e respostas de tudo o que se sabe até agora sobre a chamada “máfia dos concursos”.
O que é a ‘Máfia dos concursos’?
Quem são os supostos integrantes e quais papéis desempenhavam?
Quais eram os métodos de fraude usados pelo grupo?
Quanto cobravam, como recebiam e como lavavam o dinheiro?
Servidores ou intermediários estavam envolvidos?
Em quais concursos atuaram e quantos se beneficiaram?
Quem são os outros investigados e seus papéis?
Quais provas a PF reuniu?
Que medidas tomaram as autoridades e o que revelou a operação?
O que dizem os investigados?
1. O que fazia a ‘máfia dos concursos’?
A organização investigada pela PF, apelidada de “máfia dos concursos”, teria operado a partir de Patos, no Sertão da Paraíba, com ramificações em diversos estados do país.
Segundo as investigações, o grupo oferecia aprovações em concursos públicos como se fossem produtos comercializáveis. Para isso, utilizava recursos tecnológicos avançados e estratégias de corrupção que garantiriam a aprovação dos candidatos que contratavam seus serviços.
Os valores cobrados chegavam a R$ 500 mil por vaga, conforme apurado pela PF. A quadrilha seria capaz de burlar os sistemas de segurança das bancas organizadoras por meio de técnicas sofisticadas.
A eficácia do esquema era demonstrada pelos próprios líderes, que se inscreviam e eram aprovados nos certames como forma de validar o método.
O núcleo da organização seria composto por membros da família Limeira, tendo como figura central Wanderlan Limeira de Sousa, ex-policial militar expulso da corporação em 2021. Segundo a PF, ele é apontado como o principal articulador do esquema, responsável por negociar com os candidatos, coordenar a logística das fraudes e distribuir os gabaritos.
2. Quem são os supostos integrantes e quais papéis desempenhavam?
Além de Wanderlan, atuariam seus irmãos Valmir Limeira de Sousa e Antônio Limeira das Neves, a cunhada Geórgia de Oliveira Neves e a sobrinha Larissa de Oliveira Neves.
Cada um teria desempenhado funções específicas dentro da estrutura do grupo, reforçando o caráter familiar da organização. (Confira no organograma abaixo)
Máfia dos concursos
Juan Silva e Dhara Pereira/ g1
Wanderson Gabriel Limeira de Sousa, filho de Wanderlan, é suspeito de ser o responsável pela execução técnica das fraudes. Já Valmir foi aprovado no Concurso Nacional Unificado (CNU) com um gabarito idêntico ao de Wanderlan, o que levantou suspeitas sobre sua participação direta no esquema.
Antônio teria sido beneficiado por um empréstimo de R$ 400 mil feito por Thyago José de Andrade, conhecido como “Negão”, para financiar a aprovação de sua filha Larissa. A jovem foi aprovada no CNU e, segundo os investigadores, usada como “vitrine” do esquema para atrair novos interessados.
Geórgia aparece nas apurações por movimentações financeiras consideradas suspeitas. Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) indicou que ela depositou R$ 419,6 mil em espécie, mesmo sem vínculo empregatício desde 1998.
Além da família Limeira, outros nomes foram identificados como peças-chave no esquema: Ariosvaldo Lucena de Sousa Júnior, Thyago José de Andrade, Laís Giselly Nunes de Araújo e Luiz Paulo Silva dos Santos — este último apontado como figura central, com histórico de envolvimento em mais de 67 concursos fraudulentos.
3. Quais eram os métodos de fraude usados pelo grupo?
A investigação revelou um alto grau de sofisticação tecnológica. Um dos métodos mais surpreendentes seria o uso de pontos eletrônicos implantados cirurgicamente nos ouvidos dos candidatos, com o auxílio de profissionais da saúde. Esses dispositivos permitiam comunicação em tempo real durante as provas, sem serem detectados pelos fiscais.
Além disso, o grupo recorria a mensagens codificadas e sistemas externos de transmissão de gabaritos. Em alguns casos, candidatos eram substituídos por dublês — pessoas treinadas para realizar as provas em seu lugar — garantindo desempenho superior.
A combinação dessas técnicas resultava em notas elevadas e gabaritos idênticos entre candidatos, inclusive nos erros, mesmo quando realizavam provas de tipos diferentes.
4. Quanto cobravam, como recebiam e como lavavam o dinheiro?
Os valores cobrados variavam conforme o concurso e o cargo pretendido, podendo chegar a R$ 500 mil por vaga, segundo as investigações.
Os pagamentos não se restringiam ao dinheiro em espécie: o grupo aceitava ouro, veículos e até procedimentos odontológicos como forma de quitação.
Em um dos casos investigados, parte do valor referente a uma vaga na Caixa Econômica Federal teria sido pago por meio da compra de uma motocicleta em nome de um terceiro, apenas cinco dias após a prova.
Para lavar o dinheiro obtido com as fraudes, o grupo utilizaria diversas estratégias, como depósitos em espécie — como o realizado por Geórgia Neves —, compra e venda simulada de imóveis, uso de “laranjas” e negociação de veículos.
A clínica odontológica de Ariosvaldo Lucena também é suspeita de ter sido usada como fachada para movimentações financeiras ilícitas.
5. Servidores ou intermediários estavam envolvidos?
Embora não haja, até o momento, indícios diretos de envolvimento das bancas organizadoras, o inquérito aponta possíveis conexões com servidores públicos, profissionais da saúde e intermediários locais.
Esses agentes seriam responsáveis por recrutar candidatos, movimentar os recursos financeiros e, em alguns casos, viabilizar a instalação dos pontos eletrônicos nos ouvidos dos candidatos.
A participação de profissionais da saúde teria sido essencial para garantir que os dispositivos fossem implantados de forma segura e discreta, sem levantar suspeitas durante a aplicação das provas.
6. Em quais concursos atuaram e quantos se beneficiaram?
A atuação da máfia dos concursos teria se estendido por dezenas de certames entre 2015 e 2025. Entre os concursos investigados estão os da Polícia Federal, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Polícias Civil e Militar, além do Concurso Nacional Unificado (CNU).
No CNU de 2024, pelo menos 10 pessoas teriam sido diretamente beneficiadas, seja por terem sido aprovadas com gabaritos idênticos, recebido propinas ou participado ativamente do esquema.
Entre os nomes identificados estão: Eduardo Henrique Paredes do Amaral, Allyson Brayner da Silva Lima, Mylanne Beatriz Neves de Queiroz Soares, Janaína Carla Nemésio de Oliveira, Aially Soares Tavares Pinto Xavier, Júlio Cesar Martins Brilhante e Isabelle Nayane de Medeiros Dantas Aires, entre outros.
7. Quem são os outros investigados e seus papéis?
Além dos membros da família Limeira, outros personagens foram identificados como peças-chave na estrutura do esquema.
Ariosvaldo Lucena de Sousa Júnior, policial militar no Rio Grande do Norte, é dono de uma clínica odontológica suspeita de ser utilizada para lavagem de dinheiro.
Thyago José de Andrade, conhecido como “Negão”, teria atuado no controle dos pagamentos e na comunicação com os candidatos. Ele também teria financiado a aprovação de Larissa Neves com um empréstimo de R$ 400 mil.
Laís Giselly Nunes de Araújo, companheira de Thyago, é suspeita de envolvimento em pelo menos 14 fraudes em concursos públicos. Sua aprovação mais recente foi no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), cujo resultado foi suspenso após a deflagração da operação.
Luiz Paulo Silva dos Santos, por sua vez, possui um histórico extenso de envolvimento em fraudes, sendo investigado por participação em mais de 67 concursos fraudulentos. Ele é apontado como uma das figuras centrais da organização.
8. Quais provas a PF reuniu?
A Polícia Federal reuniu um conjunto expressivo de evidências que indicariam a atuação coordenada e sofisticada do grupo criminoso.
Uma das provas mais impactantes foi a análise dos gabaritos do CNU de 2024. Quatro candidatos — Wanderlan, Valmir, Larissa e Ariosvaldo — apresentaram respostas idênticas, inclusive nos erros, apesar de terem realizado provas de tipos diferentes.
A probabilidade de isso ocorrer por acaso foi comparada, por especialistas consultados pela PF, à chance de vencer 19 vezes consecutivas o prêmio máximo da Mega-Sena — o que praticamente descartaria qualquer coincidência.
Além disso, foram interceptados áudios considerados comprometedores, como uma conversa entre Wanderlan e seu filho Wanderson, na qual discutem estratégias para garantir uma “comissão” no CNU.
Também foram obtidas mensagens codificadas, comprovantes de pagamento, movimentações financeiras incompatíveis com a renda dos investigados e indícios de fraudes anteriores, como no concurso da Caixa Econômica Federal.
Os bastidores da investigação que desvendou a ‘Máfia dos concursos’
Juan Silva/ g1
9. Que medidas tomaram as autoridades e o que revelou a operação?
As apurações resultaram na deflagração da Operação Última Fase, realizada pela Polícia Federal em 2 de outubro. A ação levou à prisão preventiva de três pessoas, duas em Recife (PE) e uma em Patos (PB), além do cumprimento de mandados de busca e apreensão.
Entre as medidas judiciais, foi determinado o impedimento da posse dos candidatos aprovados por meio de fraude e o afastamento cautelar de servidores públicos suspeitos de envolvimento.
O juiz responsável pelo caso, Manuel Maia de Vasconcelos Neto, destacou que o grupo contava com especialistas em diferentes áreas do conhecimento para realizar as provas em nome dos contratantes, o que aumentava significativamente as chances de aprovação. O custo estimado por vaga, conforme apontado pela autoridade policial, girava em torno de R$ 300 mil.
Organização criminosa fraudava concursos públicos e ocultava pagamentos com imóveis, veículos e “laranjas”, apontam investigações
Juan Silva e Dhara Pereira/ g1
10. O que dizem os investigados?
As defesas dos investigados têm se manifestado majoritariamente negando qualquer envolvimento com o esquema.
A defesa de Ariosvaldo Lucena alegou que as acusações se baseiam apenas em indícios e que, com o acesso aos autos, será possível comprovar sua inocência. Já os representantes de Antônio Limeira, Geórgia Neves e Larissa Neves afirmaram que os três estão colaborando com as investigações e que, até o momento, não há denúncia formal contra eles.
Thyago José de Andrade, por meio de sua defesa, declarou que provará sua inocência no momento oportuno. A defesa de Laís Giselly ressaltou que ela sempre foi dedicada aos estudos e que não pode ser condenada publicamente antes do fim do processo.
Wanderlan Limeira aguarda acesso aos autos para se manifestar. A defesa de Valmir Limeira argumentou que não há provas concretas contra ele, apenas presunções baseadas em parentesco e coincidência de gabaritos.
Por fim, os advogados de Wanderson Gabriel criticaram o que classificaram como “linchamento público” e defenderam o respeito à presunção de inocência e ao devido processo legal.
Polícia Federal faz operação contra quadrilha acusada de fraudar concursos públicos
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