O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator da PEC da Blindagem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, classificou a medida como uma proposta “desenhada para proteger bandido” e afirmou que, caso prospere, permitiria a ampliação da influência do crime organizado no Parlamento.
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Em entrevista ao GLOBO, Vieira confirmou que seu parecer, que será lido nesta quarta-feira na CCJ, será pela rejeição integral do texto aprovado pela Câmara. O senador também disse que, mesmo havendo a possibilidade de recurso ao plenário, o texto está “morto politicamente” e que deve ser enterrado na própria comissão.
A proposta restabelece a exigência de autorização prévia do Congresso para que parlamentares sejam processados e amplia o alcance das imunidades, incluindo presidentes de partidos.
Levantamento feito pelo GLOBO mostra que 56 senadores se posicionaram de forma contrária ao projeto, contra apenas seis favoráveis. Três se disseram indecisos e 16 não responderam. Para ser aprovada em plenário, a PEC precisa de 49 votos favoráveis, um patamar hoje considerado inalcançável diante do cenário de rejeição.
O senhor vai rejeitar a PEC no relatório e encerrar a tramitação do texto no Senado?
O relatório será pela rejeição completa da PEC. Ele vai a voto nesta quarta-feira, e a nossa expectativa é de aprovação. Aprovado o relatório, a PEC fica arquivada na CCJ, mas ela pode ser remetida ao plenário mediante recurso apoiado por parlamentares (de acordo com o regimento, caso haja apoio de nove senadores, o texto pode ir a plenároo). Mas a expectativa do nosso trabalho é que isso seja encerrado amanhã (quarta-feira) na própria comissão.
Vê alguma chance de ser levada ao plenário mesmo após a rejeição pela CCJ, o que é regimentalmente possível?
Acredito que não, mas como é um direito individual de cada parlamentar, alguém pode ter essa ideia.
Acredita o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), apoiaria uma eventual ida ao plenário após a rejeição na CCJ?
Não. O GLOBO mesmo levou a cabo um levantamento que aponta 56 senadores contrários. É uma matéria que está morta politicamente. É só a gente fazer isso acontecer da forma mais rápida possível.
Quais são os pontos mais problemáticos do texto que foi aprovado pela Câmara?
O pior de tudo é o mérito dela, o conteúdo. É uma PEC desenhada para proteger bandido. Traz uma proteção extraordinária para parlamentares federais, estaduais, distritais e presidentes de partido. Que deixam de responder por qualquer tipo de crime que venham a cometer, salvo com a autorização dos seus colegas. E como a gente teve entre 1988 e 2001 uma legislação parecida, a gente já tem o termômetro. Naquele período, foram quase 300 pedidos de investigação e processo por crimes graves que nunca foram autorizados. Por isso foi mudado lá atrás. É muito tranquilo estabelecer no parecer a demonstração de que essa PEC não atende o interesse público. Ela representa um desvio de finalidade. Ninguém tem que cometer crime para ser parlamentar e para exercer o mandato.
Caso ela fosse aprovada, o que o senhor acha que aconteceria?
Mais ainda a integração do crime organizado armado dentro do Parlamento.
O texto prevê também votação secreta para decidir sobre prisão em flagrante. É um dispositivo que pesou bastante na decisão do senhor para rejeitar a PEC?
Não há nada na PEC aproveitável. O voto secreto é quaseuma cereja do bolo, porque ele foi retirado, com destaque, e depois foi reintegrado numa manobra antirregimental, inconstitucional do presidente da Câmara dos Deputados. Mas o conjunto da obra é absolutamente inviável, não dá para você pegar um pedaço dela e colocar: isso aqui é melhorzinho, isso aqui é pior. Não tem, é muito ruim.
Na Câmara foram 353 votos a favor na primeira votação. Como o senhor explica essa diferença de postura entre as duas Casas?
São Casas diferentes, perfis diferentes de parlamentares . O senador, em regra, carrega uma história de vida e um conhecimento prático maior do que a maioria dos deputados. Nós temos deputados extremamente qualificados, com experiência muito longa, mas uma parte deles não tem essa experiência. Eu tenho dito e repito, apesar de ser uma frase muito dura. Dois tipos de parlamentar votam favoravelmente a esse tipo de projeto: aquele que quer proteger bandido e aquele que não sabe no que está votando. Não tem o terceiro grupo. E acho que vários demonstraram isso, depois fizeram vídeos reconhecendo um erro. Como nós temos parlamentares que são processados e investigados por crimes muito graves, esses parlamentares tentaram construir uma capa de cobertura. E para isso manobraram o restante do colegiado e tiveram a votação muito elevada.
Os protestos no final de semana influenciaram os senadores?
Sem dúvida. Nós já tínhamos uma maioria contrária à PEC, mas a questão ganhou visibilidade com os movimentos populares. E, de fato, você tem parlamentares que precisam desse tipo de estímulo para prestar atenção na gravidade da matéria. Eu tenho absoluta certeza que não há nenhum senador da República que não saiba mais o que está votando. Eles sabem perfeitamente, e quem votar favorável a essa PEC sabe que está votando numa PEC que defende bandido.
O senador Ciro Nogueira levantou a possibilidade de um texto alternativo restringindo a PEC a crimes contra a honra, e o senador Sergio Moro apresentou uma emenda nesse sentido…
As pessoas tentam confundir crime contra a honra com opinião. O que não está garantido e não deve ser garantido é o direito de ofender as pessoas. E não se confunde crítica dura com ofensa. A crítica dura contextualizada também é protegida. Eu faço críticas duras, por exemplo, ao Supremo. Vários colegas fazem críticas duríssimas ao Supremo e ao presidente, ao Executivo brasileiro. E nenhum deles é processado. Quando você sai da crítica dura e entra na ofensa pessoal deliberada, com a intenção de ofender, aí tem crime. E essas pessoas têm que responder. Não vai ter espaço para aceitação, nem do colegiado e muito menos do relatório.
2025-09-24 00:00:00