Trabalhadores de app sofrem com baixos salários, jornadas longas e custos próprios, apontou relatório
Rowan Freeman/Unsplash
Exploração, salários baixos e falta de direitos básicos. Esses são os principais problemas enfrentados por quem trabalha em plataformas digitais de entrega, transporte e serviços sob demanda no Brasil. A conclusão vem do relatório “Endividamento e Precariedade: O retrato do trabalho em plataforma no Brasil”, elaborado pelo Projeto Fairwork Brasil em parceria com a Universidade de Oxford.
O estudo analisou 10 plataformas populares no país, como apps de transporte e aulas particulares, com base em cinco critérios que definem o que seria um trabalho justo. São eles: remuneração, condições, contratos, gestão e representação.
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Cada critério pode render até dois pontos para a empresa, um por atender ao requisito básico e outro por ir além, oferecendo condições mais avançadas. No total, uma plataforma pode somar até 10 pontos.
Segundo os pesquisadores, os resultados foram alarmantes. Apenas duas empresas (InDrive e Superprof) conseguiram pontuar, e mesmo assim, apenas um ponto cada. Nenhuma das outras plataformas demonstrou conformidade com os critérios avaliados.
InDrive e Superprof foram reconhecidas por pagarem, pelo menos, o equivalente ao salário mínimo por hora, já descontados os custos do trabalho, como combustível ou manutenção de equipamentos.
Veja abaixo o ranking e, no final da reportagem, o posicionamento das empresas.
Entre agosto de 2023 e agosto de 2025, os pesquisadores entrevistaram diversos trabalhadores de aplicativos. Os relatos foram duros: baixa remuneração, jornadas longas e insegurança financeira fazem parte da rotina.
Muitos também contaram que estão se endividando para continuar trabalhando, seja para pagar manutenção de veículos, multas, seguros ou até empréstimos incentivados pelas próprias plataformas.
De acordo com a organização, mesmo com a melhora nos indicadores econômicos do país, os trabalhadores de aplicativos continuam expostos a riscos elevados, ausência de proteção social e práticas de gestão que dificultam melhorias nas condições de trabalho.
O relatório também apontou que o modelo atual de trabalho plataformizado representa um retrocesso histórico, comparável ao século XIX, quando não havia proteção social para trabalhadores formais. A falta de avanços regulatórios no Brasil e em outros países da América Latina agrava esse cenário.
Como as empresas são avaliadas
A avaliação das plataformas é realizada com base em cinco princípios fundamentais que definem os parâmetros mínimos de “trabalho decente”. Cada categoria é dividida em 2 pontos, um para presença de requisito básico e outro para uma condição mais avançada de empregabilidade.
Veja abaixo o descritivo das categorias da pesquisa e quem pontuou em qual:
Remuneração justa: para pontuar, as plataformas precisam mostrar que o trabalhador não fica com ganhos abaixo de um limite mínimo, mesmo depois dos custos.
A InDrive e a Superprof pontuaram no primeiro item, porque havia evidências de que pagam acima do salário mínimo por hora, garantem pagamentos em dia e permitem que o trabalhador defina seus preços. Já no segundo critério, nenhuma plataforma comprovou que, após os custos, o rendimento final chegue ao salário mínimo local.
Quem pontuou: InDrive e Superprof (só no primeiro item).
Condições Justas: nesse princípio, as plataformas deveriam demonstrar que reconhecem os riscos do trabalho e adotam medidas para reduzi-los.
Nenhuma empresa apresentou evidências suficientes. O relatório conclui que as plataformas não garantem segurança nem proteção social, e que mecanismos como seguros e botões de emergência mostraram-se limitados. Também cita que a pressão por produtividade pode aumentar a vulnerabilidade dos trabalhadores.
Quem pontuou: nenhuma.
Contratos justos
Para pontuar com base neste princípio, é preciso que as plataformas tenham contratos claros, acessíveis e ofereçam recursos legais em caso de descumprimento.
De acordo com o relatório, mesmo que os contratos estejam disponíveis, nenhuma plataforma recebeu ponto porque não ficou comprovado que eles sejam transparentes, livres de cláusulas abusivas e em conformidade com normas de proteção de dados.
Quem pontuou: nenhuma.
Gestão justa: o relatório destaca que as plataformas precisam oferecer canais de comunicação efetivos e políticas contra discriminação.
Foram identificados canais como chats, mas considerados limitados, especialmente em situações de bloqueio de contas. Também não houve evidências de políticas de inclusão ou combate à discriminação. Por isso, nenhuma pontuou nesse princípio.
Quem pontuou: nenhuma.
Representação justa: segundo o estudo, as plataformas deveriam garantir espaço para expressão coletiva dos trabalhadores, sem retaliação, além de engajamento real em negociações. Nenhuma empresa apresentou comprovação nesse sentido.
Quem pontuou: nenhuma.
Metodologia
Os pontos são atribuídos apenas quando a plataforma consegue demonstrar satisfatoriamente a implementação dos princípios. A ausência de um ponto não indica necessariamente que o princípio não seja cumprido, apenas que não foi possível evidenciar a conformidade.
A pontuação segue uma série de etapas. Inicialmente, a equipe local reúne as evidências e atribui pontuações preliminares.
Em seguida, essas evidências são enviadas a revisores externos para avaliação independente. Esses revisores incluem membros das equipes do Fairwork em outros países, bem como da equipe central.
Após a avaliação, todos os revisores se reúnem para discutir e definir a pontuação final.
As plataformas têm a oportunidade de enviar informações adicionais para obter pontos que não receberam inicialmente. As pontuações finais são publicadas no relatório anual do Fairwork do país e, antes da divulgação, as empresas avaliadas podem revisar e comentar os resultados.
O que dizem especialistas?
A professora Maria Aparecida Bridi, da UFPR, alerta que a tecnologia das plataformas está sendo usada para reproduzir práticas antigas de exploração, contrariando as promessas da economia digital.
O professor Ricardo Festi, da UnB, destaca que os relatos mostram uma degradação acelerada das condições de trabalho, com aumento do sofrimento e da discriminação.
Já a coordenadora da pesquisa no Brasil, Julice Salvagni, da UFRGS, afirma que os dados revelam uma precariedade persistente e profunda, com violações de direitos fundamentais.
“É essencial que esses relatos sejam formalizados em um relatório. O país não pode continuar ignorando a falta de proteção para esses trabalhadores”, afirma Salvagni.
O professor Rodrigo de Lacerda Carelli, da UFRJ, também coordenador do projeto, reforça que a classificação dos trabalhadores como autônomos tem sido usada para negar direitos básicos, impedindo que as empresas ofereçam condições mínimas de trabalho decente.
O que dizem as empresas
O g1 procurou as 10 empresas que aparecem no relatório da Fairwork Brasil. Veja abaixo o que elas disseram sobre os resultados da pesquisa.
Uber
A Uber não participou do estudo deste ano, assim como nas edições anteriores, porque entende que o princípio norteador da pesquisa parte de premissas derivadas de modelos tradicionais de emprego, sem considerar a necessidade de conciliar a flexibilidade e a autonomia — aspectos centrais e amplamente valorizados por motoristas e entregadores, como apontam diversas pesquisas independentes. Desde o início, temos sinalizado limitações relevantes que, em nossa visão, comprometem a utilidade do estudo para orientar melhorias reais para os trabalhadores. No entanto, tais considerações nunca foram incorporadas ou sequer receberam abertura para diálogo construtivo.
Além das falhas metodológicas — como o uso de amostras sem representatividade estatística — o relatório de 2023 apresentou afirmações infundadas, como a extrapolação de casos pontuais para todas as plataformas, a generalização incorretas de que o setor é resistente a uma regulação pelo governo federal, ou ainda a crítica a pesquisas sérias apoiadas pelo setor, substituídas por reportagens baseadas em fontes frágeis. A Uber tem apresentando uma proposta global clara em defesa de uma regulação que amplie benefícios e proteções aos trabalhadores autônomos e adotamos essa mesma postura no Brasil. Nossa participação ativa no Grupo de Trabalho Tripartite convocado pelo governo federal e a contribuição concreta para a construção do PLP 12/2024 são evidências desse compromisso.
Ao insistir em uma linha desconectada dos desafios práticos de proteções e preferências dos trabalhadores, sem reconhecer avanços ou debater soluções viáveis, o relatório perde a oportunidade de contribuir de maneira efetiva para a formulação de políticas públicas equilibradas e sustentáveis.”
Defender home office nas redes custou o emprego deles
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