Como outros países protegem autoridades envolvidas no combate ao crime organizado

Desde a última segunda-feira, o promotor de Justiça Diogo Luiz Deschamps, de 40 anos, reforçou os protocolos de segurança já adotados pela família. Abalado pela notícia do atentado contra o ex-delegado-geral Ruy Fontes, o coordenador regional do Grupo de Atuação


Desde a última segunda-feira, o promotor de Justiça Diogo Luiz Deschamps, de 40 anos, reforçou os protocolos de segurança já adotados pela família. Abalado pela notícia do atentado contra o ex-delegado-geral Ruy Fontes, o coordenador regional do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) de Joinville, do Ministério Público de Santa Catarina, reviu algumas medidas de segurança. Antes mesmo da morte, para evitar padrões que podem ser identificados por um possível algoz, ele já não mantinha uma rotina única e previsível. Todos os dias, muda o caminho percorrido até o trabalho e a escola dos filhos. Varia o horário de sair de casa e até mesmo os restaurantes que frequenta.

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— A preocupação com a segurança é constante. Quando se entra num local, o primeiro instinto que a gente tem é de identificar quem que está, quais são os pontos de fragilidade. Porque a gente sabe que, embora não tenha esse histórico em Santa Catarina, todos nós temos um alvo nas costas — afirmou o promotor, referindo-se à relativa paz que vive o estado do Sul diante de São Paulo e Rio de Janeiro, berços das facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV).

O atentado ao ex-delegado-geral acentuou o debate sobre a proteção oferecida pelo Estado a policiais, promotores, juízes e desembargadores que combatem o crime organizado durante a carreira e, principalmente, depois da aposentadoria. A geração atual de agentes públicos que atuam na linha de frente é a primeira que deixará o posto depois do recrudescimento mais recente desses grupos criminosos.

No Brasil, autoridades podem receber escolta durante o exercício de suas funções, conforme a legislação nacional e regulamentações específicas, como a Lei Orgânica do Ministério Público e resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas a continuidade dessa proteção após a aposentadoria é incomum e restrita a casos excepcionais.

— A escolta estatal para autoridades aposentadas é uma questão complexa e reflete tanto as capacidades operacionais do Estado quanto seu compromisso com a justiça e a segurança de seus cidadãos. O confronto com organizações criminosas exige coragem, mas também um respaldo permanente para aqueles que põem suas vidas em risco na defesa do Estado de Direito — opina o advogado Walfrido Warde, presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), que está escrevendo um livro com ideias para combater as máfias no Brasil.

O grau de proteção a agentes públicos aposentados que combatem redes criminosas poderosas, como máfias, cartéis e organizações internacionais, varia de acordo com o país. Sob forte influência dos cartéis de drogas, o México tem assassinatos frequentes de agentes públicos, e garante a eles pouquíssima segurança. O país conta com esquemas de proteção para autoridades ativas por meio de programas como o Mecanismo de Protección para Personas Defensoras de Derechos Humanos y Periodistas. Apesar de voltado para jornalistas e defensores de direitos humanos, também pode atender autoridades em risco. A proteção, contudo, é encerrada na aposentadoria.

Já a Itália tem um modelo considerado robusto. O enfrentamento das máfias siciliana, da ‘Ndrangheta calabresa e da napolitana obrigou o Estado a implementar medidas permanentes de escolta, mesmo para aposentados e seus familiares. Os assassinatos de juízes como Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, nos anos 90, pressionaram o governo italiano a intensificar as políticas de segurança.

— O sistema de proteção da Itália é baseado em uma avaliação de risco realizada por um comitê provincial e ratificada em nível central, por um órgão do Ministério do Interior. As mesmas regras se aplicam a políticos, funcionários públicos e a todos aqueles expostos a situações de risco pessoal. Tem funcionado — afirmou ao GLOBO Giovanni Bombardieri, procurador Distrital Antimáfia de Turim, responsável por conduzir, anos atrás, investigações que terminaram na prisão do chefão da ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, uma das mais poderosas do mundo.

Nos Estados Unidos, a abordagem combina proteção estatal com soluções privadas em casos de risco persistente. Agentes do FBI, promotores federais e juízes que atuam contra organizações criminosas, como máfias italianas-americanas, gangues ou cartéis internacionais, podem ter proteção garantida não apenas durante o exercício da função, mas também após a aposentadoria, dependendo do nível de ameaça.

No Brasil, o maior defensor da garantia da segurança no pós-aposentadoria é o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de Presidente Prudente, do Ministério Público de São Paulo (MPSP). Com mais de 20 anos de atuação contra o PCC, e responsável pelos principais golpes contra o grupo criminoso, ele vive sob forte escolta policial, superior a do presidente da República. A pouco tempo de se aposentar, desabafou que não vê outro caminho para ele que não ir embora do Brasil.

— Minha situação é muito frágil. Agora, para eu sair do Brasil, preciso de duas coisas: conseguir asilo político em algum país e um meio de subsistência. Não tenho como dividir minha aposentadoria por seis [a taxa de câmbio], para viver dignamente fora do Brasil. Tudo isso me faz ter um futuro muito incerto — lamentou, em entrevista ao GLOBO em junho do ano passado.



Conteúdo Original

2025-09-20 04:30:00

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