A recente mobilização de boa parte da classe artística contra a PEC das Prerrogativas reacendeu um velho debate sobre a seletividade da indignação no meio cultural. Enquanto nomes como Caetano Veloso, Fernanda Abreu e Anitta conclamam o povo às ruas para barrar a proposta que exige autorização do Congresso para processar parlamentares, o silêncio diante de escândalos que abalam o governo Lula é ensurdecedor.
A proposta, que busca fortalecer o papel do Legislativo, é vista como uma ameaça à estratégia do governo petista, que tem recorrido à judicialização de suas propostas para impor medidas sem apoio majoritário no Congresso.
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Enquanto isso, temas que afetam diretamente a população — como o desvio bilionário de recursos do INSS, o contingenciamento de verbas para saúde e educação, o aumento do preço dos alimentos, o descontrole fiscal, as queimadas na Amazônia e a escalada da violência urbana — não têm gerado a mesma comoção nas redes sociais dos artistas. A indignação parece ter endereço certo: quando o interesse político e ideológico está em jogo.
O contexto ajuda a explicar essa mobilização seletiva. Em 2024, o governo Lula autorizou um valor recorde de R$ 16,8 bilhões via Lei Rouanet, superando os R$ 16,4 bilhões de 2023. Esse montante é quase cinco vezes maior que o autorizado em 2022 (R$ 3,5 bilhões) e mais de sete vezes o de 2021 (R$ 2,3 bilhões). Só em 2024, foram aprovados 14 mil projetos culturais, superando todas as iniciativas do governo Bolsonaro entre 2019 e 2022.
O setor de artes cênicas, por exemplo, recebeu R$ 5 bilhões em autorizações, seguido por música (R$ 4,3 bilhões) e artes visuais (R$ 2,3 bilhões). A região Sudeste concentrou a maior parte dos recursos, com R$ 11 bilhões destinados a 7.534 propostas, sendo São Paulo e Rio de Janeiro os estados mais beneficiados.
Esses dados revelam que a classe artística tem sido uma das maiores beneficiadas pelo governo Lula, o que levanta suspeitas sobre os reais interesses por trás da mobilização contra a PEC. A cultura, nesse contexto, parece ter sido instrumentalizada como ferramenta de propaganda ideológica, com artistas atuando como porta-vozes de um governo que os favorece financeiramente.
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Arte ou conveniência política?
A convocação para protestos contra a PEC das Prerrogativas, enquanto se ignora temas que impactam diretamente a vida dos brasileiros, expõe uma contradição: a defesa da democracia parece valer apenas quando ela serve aos próprios interesses. A classe artística, que deveria ser voz crítica e independente, corre o risco de se tornar cúmplice de um projeto político que a utiliza como escudo ideológico.
A PEC segue em tramitação no Congresso e será votada em dois turnos. Enquanto isso, o Brasil assiste à politização da arte — e à arte da omissão seletiva.
2025-09-18 15:32:00