Consagrado no Oscar como melhor filme, “Gente Como a Gente” também rendeu a Robert Redford a estatueta de melhor direção e marcou um ponto de virada para o cinema americano – menos ufanista, mais cínico, em choque com o governo do então eleito presidente Ronald Reagan. Redford sabia que seu país estava doente e apostou na arte para não esconder essa visão. Na frente ou atrás das câmeras, ele escolheu projetos que poderiam até trazer algum verniz hollywoodiano, mas que traziam em seu cerne personagens com muito a dizer sobre o estado das coisas.
Após protagonizar “Um Homem Fora de Série” e “Entre Dois Amores”, ele voltou à direção ainda nos anos 1980 com “Rebelião em Milagro”, Sonia Braga no elenco, outro filme de grande carga política. Na década seguinte, embora tenha se divertido com seu status de “grande astro de cinema” em produções como “Proposta Indecente” e “Íntimo e Pessoal”, ele fez um de meus favoritos em sua filmografia: o thriller “Quebra de Sigilo”, de 1992, em que ele faz um especialista em segurança que, incriminado e depois chantageado pelo governo, joga uma última cartada contra o sistema.
Foi mais ou menos nessa época que Redford rebatizou o festival que ele iniciara em 1978 no estado de Utah como Sundance Film Festival. O nome tornou-se símbolo do cinema independente, fazendo de Park City a capital dos filmes ousados e inovadores durante o mês do festival – em 2027, o evento terá uma nova casa, Boulder, no Colorado. Sundance talvez seja o maior legado de Redford ao cinema, um santuário de ideias em que novas vozes encontram espaço para ser apresentadas ao mundo.
Sundance talvez seja a contribuição mais visível do legado que Robert Redford deixa ao cinema – e ao mundo. Ao longo de sua vida, contudo, ele usou o capital humano amealhado ao longo de sua carreira para apoiar as causas em que acreditava. Foi defensor ferrenho de causas ambientais, esteve na linha de frente da defesa dos povos originários americanos e da população LGBT. Fez oposição ao presidente Donald Trump (a quem chamou de “monarca disfarçado”) e encabeçou a reação da indústria à pandemia, que ainda deixa cicatrizes.
Tudo isso sem deixar de lado sua ocupação principal, a de operário do cinema. Dirigiu filmes belíssimos (como o sensível “Nada É Para Sempre”, com Brad Pitt”, e o ácido “Quiz Show” com Ralph Fiennes) e nunca se furtou de aparecer em frente às câmeras. Segurou sozinho o thriller sufocante “Até o Fim”, seguiu com seu olhar certeiro sobre a engrenagem do poder em “Conspiração e Poder”, reuniu-se com Jane Fonda no delicado “Nessas Noites”.
Mesmo quando voltou ao cinemão, estava de olho em causas ambientais (“Meu Amigo, O Dragão”) e labirintos políticos (“Capitão América: O Soldado Invernal”). Em seu último filme como protagonista, “O Velho e a Arma”, materializou mais uma vez a luta do homem contra o sistema como um fugitivo da prisão de San Quentin que, aos 74 anos, emenda uma série de roubos a banco tão inusitados que o transformaram em celebridade. O cinema (e o mundo) tem uma dívida impagável com Robert Redford.
2025-09-16 16:35:00