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— Parece que essa figura, eu vou tratar no meu voto, é uma coação institucional, que me parece própria dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Coagir uma instituição pra que se arquive algum inquérito, pra que se arquive um processo, isso é inadmissível e faz parte dos crimes contra o Estado Democrático de Direito — disse Zanin.
O ministro será o quinto a votar, após a manifestação de Cármen Lúcia. Essa foi sua primeira intervenção, desde o início do julgamento, sobre o conteúdo das discussões. Até agora, Zanin apenas conduzia os trabalhos, no papel de presidente da turma.
Antes do comentário, Moraes criticou as falas de Bolsonaro, então presidente, fez contra ele em 2021, exigindo o arquivamento de investigações.
— Nós vamos placitar que todo prefeito possa ir no dia Sete de Setembro, como um patriota, jogar a população contra o Judiciário? Após isso que ocorreu em Sete de Setembro de 2021 e todos aqui todos aqui no Supremo, e o ministro presidente (Zanin) e o ministro Flávio Dino ainda não se encontravam, passaram a sofrer 10 vezes mais ameaças. E eu, obviamente, 1.000 vezes mais ameaças. Isso não é uma grave ameaça ao funcionamento do Judiciário?
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, afirmou nesta quinta-feira que as provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para pedir a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos outros sete réus por tentativa de golpe de Estado não foram negadas ao longo da ação penal. Segundo ela, há “prova cabal” da formação da organização criminosa, o que forma maioria para condenar Bolsonaro e os demais acusados por este crime.
— A procuradoria fez prova cabal de que grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chaves do governo, das Forças Armadas e órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos demais Poderes Constitucionais constitucionais, especialmente o Judiciário.
A ministra afirmou que os atos de 8 de janeiro não foram “banais” e votou para rejeitar as preliminares de suspeição do ministro Alexandre de Moraes, cerceamento do direito de defesa e falta de atribuição da Corte para julgar a ação e de nulidade da delação do tenente-coronel Mauro Cid, formando maioria nesses tópicos.
— O núcleo da acusação feita nesta ação diz sobre a tentativa de golpe de Estado e a tentativa de abolição do estado democrático de direito.Os fatos que são descritos desde a denúncia não foram negados na sua essência — disse Cármen, acrescentando em seguida. — Não se tem imunidade absoluta contra o vírus do autoritarismo, que se insinua insidioso, destilando o seu veneno, a contaminar a liberdade e direitos humanos.
— O 8 de janeiro de 2023 não foi acontecimento banal depois de almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear.
Mais antiga ministra da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia é a quarta a votar, após a divergência aberta pelo ministro Luiz Fux, que levou o placar a 2 a 1 a favor da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro. A ministra já sinalizou, em manifestações públicas recentes, entender que houve uma tentativa de golpe de Estado no Brasil e, caso também defenda a punição ao ex-mandatário, haverá maioria.
‘Ação da trama golpista é encontro do Brasil com seu passado, seu presente e seu futuro’
Ele iniciou seu voto afirmando que o julgamento representa um encontro do Brasil com o “passado, o presente e o futuro”.
— O que há de inédito nesta ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase o encontro do Brasil com o seu passado, com o seu presente e com o seu futuro — disse Cármen no início do voto. — Somente com a democracia um país vale a pena.
Em indireta à duração do voto do ministro Luiz Fux, que passou de 12 horas, a ministra Cármen Lúcia disse que não vai ler seu voto na íntegra. Ao conceder aparte ao ministro Flávio Dino, ela afirmou:
— Escrevi um voto com 396 páginas, mas eu não vou ler, vou ler resumo, não se preocupe.
Carmén negou as preliminares de suspeição, cerceamento de defesa e falta de atribuição da Corte para julgar a ação, formando maioria nesses tópicos.
— E é bom que se diga, o que a gente vota no plenário em geral, pelo princípio da coletividade, a gente aplica, se for o caso, ressalvando entendimento. Ao contrário não acontece: pode-se levar de novo tema ao Plenário e no Plenário a gente pode, aí sim, reafirmar a posição pessoal, o entendimento, a compreensão pessoal
Ao rejeitar a questão preliminar da alegação de suposta incompetência do STF para julgar ação penal com réus que não tenham prerrogativa de foro, Cármen Lúcia afirmou que mantém seu entendimento desde 2007 de que a Corte tem competência para casos relacionados a pessoas que tiveram prerrogativa de foro. A ministra citou que seu posicionamento já era assim na ação relativa ao mensalão.
— Seria um casuísmo gravíssimo e quebraria o princípio da igualdade na aplicação que alguns (réus) fossem julgados depois da mudança (do regimento sobre a competência do STF para julgar ação penal, em março de 2025) com fixação das competências competências que nós já exercemos numerosíssimas vezes.
Ao rejeitar a preliminar de cerceamento de defesa, Cármen Lúcia afirmou que todos os ministros da Primeira Turma receberam periodicamente os advogados dos réus.
— Recebemos os advogados em audiência, recebemos os memoriais, até mostrando item por item, até sexta-feira da semana passada, eles estavam cumprindo essencialmente o seu papel — disse ela.
Lei assinada por Bolsonaro
No início do voto, Cármen Lúcia destacou que quatro dos oito réus do núcleo crucial, Bolsonaro entre eles, assinaram o projeto que deu origem à Lei nº 14.197, que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Além do ex-presidente, também são signatários do autógrafo legislativo os ex-ministros Anderson Torres, Walter Braga Netto e Augusto Heleno. A norma, sancionada em 2021, substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional e passou a tipificar condutas como tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.
— Não apenas é legítima, foi feita pelo Congresso e promulgada na forma da Constituição, como ainda não se podia dizer que se desconhecia que tentar abolir o Estado ou atentar contra os poderes constituídos é crime — afirmou a ministra.
Cármen Lúcia completou:
— Quatro dos oito réus são exatamente os autores do autógrafo desta lei.
Cármen Lúcia também ressaltou a complexidade da apuração dos crimes investigados, que não se resumem a atos isolados, mas a um conjunto de estratégias encadeadas, com aparência de legalidade, voltadas à tomada ou manutenção do poder.
— É num ambiente de crise que os golpes de Estado se propagam — alertou.
Além de Bolsonaro, são réus o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), o almirante e ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, o tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, e o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto.
No caso de Cid e Braga Netto, já há maioria na Turma para condená-los pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito,mas o placar também está 2 a 1 nos demais crimes imputados a eles na denúncia: tentativa de golpe de Estado, organização crimonosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Ao longo do curso do processo, Cármen Lúcia tem buscado se posicionar como guardiã da higidez do processo eleitoral e da confiabilidade das urnas eletrônicas. No primeiro dia do julgamento, a ministra interrompeu o advogado Paulo Renato Cintra, da defesa de Alexandre Ramagem, para adverti-lo após o defensor ter tratado como sinônimos os termos “voto auditado” e “voto impresso”.
— Vossa Senhoria sabe a distinção entre processo eleitoral auditável e voto impresso. Repetiu como se fosse sinônimo, e não é, porque o processo eleitoral é amplamente auditável no Brasil, passamos por auditoria — disse a ministra quando o advogado encerrava sua participação no julgamento.
Em outra sessão do julgamento, a ministra questionou o advogado do ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira após ele afirmar que seu cliente agiu para “demover” o ex-presidente Bolsonaro. A pergunta foi interpretada como uma estratégia de Cármen para que o defensor admitisse a existência de um plano golpista.
— Vossa Senhoria disse que o réu “estava atuando para demover o presidente da República”. Demover de quê? Porque, até agora, todo mundo diz que ninguém pensou nada — questionou a ministra.
O advogado de Nogueira, Andrew Farias, afirmou então que a intenção de Bolsonaro era a de adotar “medidas de exceção” após a derrota eleitoral de 2022.
— Demover de adotar qualquer medida de exceção. (Nogueira) Atuou ativamente (para demover Bolsonaro) — respondeu Farias.
Ao rejeitar a hipótese de participação de golpe de Estado ou abolição para Bolsonaro, Fux adotou três caminhos. Disse não haver comprovação da participação do ex-presidente no 8 de Janeiro, evento em que houve violência. Desqualificou repetidos ataques ao processo eleitoral e às urnas, considerando-os apenas críticas de cunho político. E apontou o que seriam fragilidades de ligação do ex-presidente com provas materiais, como o plano de assassinar autoridades e as diferentes versões de minutas golpistas.
Em exposição que durou cerca de 11 horas e meia, o magistrado também fez críticas à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), com longa fala sobre a inadequação da imputação de crimes e falhas na cadeia de eventos descrita pelo órgão. Segundo Fux, esses supostos erros formais poderiam, inclusive, levar à anulação do processo.
Ainda durante a fase preliminar do seu voto, Fux defendeu a nulidade do processo por entender a incompetência do STF para julgar o caso. O ministro chegou a deliberar em mais de 1.600 ações relativas ao 8 de Janeiro sem fazer questionamentos sobre o foro, mas vinha mudando seu posicionamento nos últimos meses.
O magistrado também votou para que os crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito sejam incorporados em uma só conduta. Na prática, esse entendimento, caso seja aceito pela maioria, pode reduzir a pena dos condenados.
Ao votar, na terça-feira, o ministro Flávio Dino classificou Bolsonaro e o ex-ministro Braga Netto como líderes da trama golpista. Ele também disse que a Constituição veda a anistia a crimes contra a democracia. O ministro ainda rebateu o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que afirmou que o ministro Alexandre de Moraes promove uma “tirania”.
— De fato, ele (Bolsonaro) e o réu Braga Netto ocupam essa posição, eles tinham de fato o domínio de todos os eventos que estão nos autos — declarou Dino.
O ministro defendeu uma pena menor para os ex-ministros e generais Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno e o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin.
— Não há a menor dúvida de que os níveis de culpabilidade são diferentes. Essa não é uma divergência, mas uma diferença em relação ao eminente relator. Em relação a Bolsonaro e Braga Netto, não há dúvida de que a culpabilidade é bastante alta. Contudo, há uma diferença com relação a Paulo Sérgio, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem. Quando for o momento da dosimetria, eu considerarei a participação deles como de menor importância — afirmou o ministro.
Durante seu voto, também na terça, Moraes afirmou que Bolsonaro liderou a organização criminosa que tentou um golpe de Estado após a vitória do presidente Lula na eleição de 2022.
— O réu Jair Messias Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa e recebeu ampla contribuição de integrantes do governo federal e das Forças Armadas, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação de seu projeto autoritário de poder, conforme fartamente demonstrado nos autos — disse Moraes. — Jair Messias Bolsonaro foi fundamental para reunir indivíduos de extrema confiança, do alto escalão do governo federal, que integravam o núcleo centro núcleo central da organização criminosa.
As penas máximas desses crimes chegam a 43 anos de prisão. O tamanho da punição, caso Bolsonaro seja de fato condenado, será definido após todos os ministros se manifestarem. Caberá recurso em caso de condenação.
Moraes afirmou durante o julgamento que a organização criminosa praticou “atos executórios”, entre 2021 e 2023, destinados a atentar contra a democracia. Moraes destacou que houve uma preparação “violentíssima” para uma tentativa de perpetuação no poder a “qualquer custo”. Segundo ele, as ações resultaram nos atos de 8 de janeiro, que não foram “combustão espontânea”.
— Nós estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase volta a um ditadura pura, que durou 20 anos, porque uma organização criminosa, constituída por grupo político, não sabe perder eleições. Porque uma organização criminosa, constituída por grupo político liderado por Jair Bolsonaro, não sabe que é princípio democrático e republicano a alternância de poder. Há excesso de provas nos autos — afirmou Moraes
O grupo responde a cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito, organização criminosa, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Também são réus os ex-ministros Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira, Anderson Torres e Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
O parlamentar teve o processo quanto às acusações de dano ao patrimônio e deterioração de bens tombados suspenso até o fim do mandato por decisão da Câmara, prerrogativa que a Constituição dá ao Congresso nos casos de crimes cometidos após a diplomação dos parlamentares.
A sessão de hoje é a penúltima prevista para o julgamento na Primeira Turma. Além de Cármen Lúcia, ainda falta o voto de Cristiano Zanin, presidente do colegiado e, em caso de condenação dos réus, a discussão sobre a dosimetria das penas.
2025-09-11 15:35:00