As investigações que indicaram relações entre o deputado estadual TH Jóias, do Rio de Janeiro, e grupos criminosos armados, noticiadas esta semana, refletem algo que não é exatamente desconhecido daqueles que estão razoavelmente familiarizados com os modos de operação do crime no Brasil. O mesmo pode ser dito das ações desdobradas no âmbito da operação Carbono Oculto, que apontou uma vasta rede de relações entre o crime, o mercado formal e o poder público em São Paulo.
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Há muito que vemos no noticiário e em nossas pesquisas a participação regular de agentes do Estado nas redes criminosas, seja nos primeiros escalões, seja atuando como seguranças, pistoleiros, jagunços, matadores profissionais e operadores do comércio de insumos para o crime. Agentes do poder público e do mercado formal atuam também em procedimentos de lavagem de dinheiro, de regularização de títulos ilegais de propriedade e de formação de currais eleitorais. O que talvez surpreenda a opinião pública é a escala atual dos vínculos entre a violência armada e os crimes de colarinho branco em negócios que movimentam recursos monumentais. Outro ponto que chama a atenção é a orientação dessas investigações policiais: finalmente, começam a priorizar a repressão a essas redes criminosas administradas por pessoas que frequentam espaços das elites nacionais.
A noção de que temos, de um lado, o crime e suas práticas violentas e, do outro, o Estado como combatente do mal, garantidor da ordem, e protetor de uma inofensiva “sociedade de bem” é uma das imagens mais falsificadoras da nossa história. Ela apaga a longa trajetória de violações cometidas pelo Estado brasileiro e seus autoritarismos: sucessivos golpes, ditaduras, extermínio das populações negras e indígenas, repressão em favelas e periferias, chacinas cometidas por policiais são aspectos que constituem nossa história política.
As linhas que separam o legal e o ilegal, o direito e a violência, estão atravessadas pelos laços de solidariedade entre o poder público e o crime. Grilagem de terras, milícias, facções do tráfico, grupos de extermínio, exploração ilegal de recursos naturais, devastação ambiental, apropriação privada do patrimônio público são alguns exemplos de cooperação entre o Estado e as lógicas criminais. Nenhuma dessas atividades teria prosperado e formado mercados bilionários sem a cooperação do Estado e a participação de agentes públicos nesses negócios.
Nos contextos nos quais desenvolvo as pesquisas que coordeno sobre política e violência, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (especialmente, a Zona Oeste da capital e a Baixada Fluminense) e a Baía da Ilha Grande, as relações entre o poder político, o poder econômico e o poder de matar são estreitas e cotidianas. Trata-se de regiões nas quais elites locais disputam eleitorados à bala e possuem grande proximidade com grupos armados.
Os casos do deputado TH Joias e da operação Carbono Oculto demonstram o desastre representado pela recorrência de operações policiais violentas e ilegais, no campo e na cidade, sob o pretexto do “combate ao crime”. Policiais que matam ilegalmente em operações, mais cedo ou mais tarde, vão compor as hostes das organizações que contratam o Estado para a repressão das classes populares, das pessoas negras e indígenas em nome de seus polpudos negócios criminosos. O crime no Brasil frequenta (em trajes civis ou militares) condomínios de luxo e gabinetes do poder.
* André Rodrigues é cientista político e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Política e Violência (Lepov), da UFF
2025-09-05 07:00:00