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Especialistas em política e defesa venezuelana questionam a real dimensão da milícia, que sob a liderança de Maduro foi incorporada como um quinto componente das Forças Armadas, em 2020. Caso o anúncio oficial corresponda à realidade, a mobilização alcançará quase 16% da população venezuelana, que segundo o Banco Mundial era de 28,41 milhões em 2024 — o que estudiosos apontam como improvável.
— A Venezuela não tem hoje a logística necessária para uma mobilização [dessa proporção] — afirmou ao GLOBO o professor Ricardo Salvador De Toma, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais. — A situação é tão crítica que em alguns quartéis, soldados do serviço ativo não comparecem mais de três vezes por semana, porque não tem “rancho” [refeições]. Convocar quatro milhões de pessoas para uma milícia implica em alimentar essa quantidade de pessoas, o que não se tem como fazer.
Os gargalos logísticos foram apontados pelo professor como principal indício de que a mobilização anunciada por Maduro se trata de um recurso retórico. Toma diz que recursos básicos como pneus, combustível, armas e munições estão em falta no país sul-americano, o que torna inviável a instauração de uma tática de resistência revolucionária.
— A Venezuela tinha tradicionalmente como fuzil das Forças Armadas o FAL, de fabricação belga, mas substituiu pelo russo AK-103. Só que tem um grande detalhe: não existe fabricação de munição de AK-103 na Venezuela — acrescentou. — Se você totalizar o número de fuzis FAL e AK, dificilmente superará 400 mil unidades.
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A origem da Milícia Nacional Bolivariana remete ao ano de 2005, quando o então presidente Hugo Chávez, por meio de decreto, criou o Comando Geral da Reserva Militar e Mobilização Nacional — que foi rebatizada com o nome atual em 2009. Após a morte de Chávez, em 2013, o grupo ganhou um papel mais relevante como parte da estratégia interna de defesa com Maduro, passando por uma ampliação e intensificando o recrutamento durante a crise política e social na segunda metade dos anos 2010, sendo finalmente incorporada como um braço militar em 2020.
Comandada pelo general Orlando Ramón Romero Bolívar, militar alvo de sanções americanas, a milícia não tem apenas funções militares. Seus integrantes, alguns deles idosos aposentados, participam de ações de controle territorial, salvaguarda de programas sociais, apoio de distribuição de alimentos em comunidades e já foi acionada para acompanhar processos eleitorais. Contudo, há membros treinados para usar sistemas antiaéreos, como o Igla-S e o S-125 Pechora.
A informação mais imprecisa é sobre a quantidade de pessoas disponíveis para servir — sobretudo a parte delas pronta para operar. Dados oficiais publicados pelo governo apontam que o número de milicianos subiu de 3,3 milhões, em 2019, para 4,5 milhões em 2022. O site venezuelano TalCual estimou que 700 mil estariam ativos com fuzis em punho. A CIA, agência de inteligência americana, calcula que haja entre 200 mil e 225 mil combatentes ativos.
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— Maduro não pode falar de 4,5 milhões de milicianos quando sabe que perdeu as últimas eleições por mais de 80% dos votos — afirmou o cientista político venezuelano Luis Nunes, em entrevista ao jornal peruano El Comercio, classificando o anúncio como “uma piada” e “uma cortina de fumaça”. — No máximo, eles terão algumas centenas de defensores do chavismo, assalariados, muitos deles idosos com rifles até de madeira.
O número anunciado por Maduro não é de todo aleatório, de acordo com o professor De Toma. Ele afirmou que o há uma campanha de pressão sobre funcionários públicos, para que se alistem como integrantes da milícia, a fim de inflar o número geral.
— O regime de Maduro está tentando obrigar a todos os funcionários públicos do país a se reportar e assinar uma planilha para serem circunscritos nas milícias. Essas planilhas estão circulando abertamente e, por coação, as pessoas são impelidas a assinar e enviar a seus superiores imediatos, para continuarem a ser empregados públicos. É daí que surge o número mágico de 4,5 milhões de pessoas — disse. (Com El Comercio e El Tiempo)
2025-08-21 00:00:00