O uso dos objetos parece tratar da possibilidade de escolha de recursos para lidar com sintomas de ansiedade e da busca por reconhecimento, e não necessariamente de uma questão patológica; entenda
O título deste artigo pode soar um tanto estranho diante do alcance da nova trend: vídeos de adultos que têm utilizado e recomendado o uso de chupeta, relatando sensações benéficas no alívio de sintomas de ansiedade ou como substitutos de hábitos como tabagismo e até mesmo redução da compulsão alimentar.
Entre o preconceito e a história do hábito
Uma leitura apressada do fenômeno pode levá-lo a ser visto como uma bobagem ou um comportamento infantilizado da moda. Entretanto, a novidade é que o uso de chupeta por adultos, na verdade, não é novidade. Existem muitos casos clínicos, com ou sem comportamentos regressivos, em que não apenas a chupeta é utilizada, mas também “naninhas” e outros objetos infantis, de forma oculta e discreta devido ao constrangimento causado tanto pela dependência de satisfação quanto pela natureza infantil do objeto, que surgem à revelia da idade e maturidade do indivíduo. Nesses casos, não se trata exatamente de uma escolha consciente, mas de uma fixação que se impõe mesmo em situações inadequadas.
Oralidade, satisfação e sociedade
Durante o desenvolvimento na primeira infância, experimentamos diversas formas de satisfação mediadas pela relação com os principais cuidadores e com a cultura. A satisfação oral é a primeira delas e seu registro nunca está restrito apenas à saciedade trazida pelo alimento; abrange também o retorno a marcas iniciais de cuidado, amparo e acolhimento. É nesse aspecto que se apoia o uso de chupetas, naninhas, paninhos, bonecos e outros objetos que substituem a ausência dos cuidadores, permitindo uma continuidade rítmica entre ausência e presença.

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Em certos casos, pode ocorrer predileção por alguma modalidade de satisfação, tornando mais difícil para o indivíduo abrir mão dela, mesmo que seja incompatível com seu estágio de desenvolvimento. No caso das satisfações ligadas à oralidade, é possível perceber como a cultura exerce forte influência na manifestação de sintomas como compulsão alimentar, anorexia, bulimia, alcoolismo, obesidade e tabagismo, entre outros, que demonstram um modo particular de regulação da satisfação oral e podem produzir intenso sofrimento.
O uso de chupetas pelo viés midiático parece tratar da possibilidade de escolha de recursos para lidar com sintomas de ansiedade e da busca por reconhecimento, e não necessariamente de uma questão patológica. Esse fenômeno revela, porém, o quanto mantemos traços de satisfação infantil mesmo na vida adulta e como a cultura endossa ou rejeita essas ocorrências, seja produzindo sintomas ligados ao desamparo social, seja transformando até mesmo o sofrimento psíquico em espetáculo.
*Por Nathália Souza Martins de Oliveira – CRP: 56803-05
Psicóloga Especialista em Psicanálise e Saúde Mental