Tudo começou no ano passado, quando Vladislav Victorson, de 31 anos, recebeu uma mensagem inesperada no Telegram oferecendo uma forma fácil de ganhar dinheiro. Morador de um subúrbio a leste de Tel Aviv, ele aceitou a proposta. Segundo documentos judiciais israelenses, sua primeira tarefa foi pichar slogans antigoverno pelo bairro — entre eles, um comparando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu a Hitler.
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Ele e sua parceira, Anya Bernstein, de 19 anos, que também realizou missões, ganharam juntos US$ 600 (cerca de R$ 3,2 mil, na cotação atual). Mais tarde, autoridades revelaram que o contratante era, na verdade, um agente iraniano. De acordo com a polícia de Israel e o Shin Bet — a agência de inteligência interna do país —, Victorson e Bernstein, presos em outubro de 2024, faziam parte de um grupo de israelenses recrutados pela internet para trabalhar a serviço do Irã.
As demandas não demoraram a escalar: sabotagem de caixas de energia com ácido sulfúrico, incêndio de veículos, tentativa de fabricar uma bomba usando spray de cabelo e fogos de artifício e, por fim, a trama para assassinar um professor israelense por US$ 100 mil (R$ 548 mil). O casal está agora em julgamento, acusado de manter contato com um agente estrangeiro, praticar vandalismo e incêndio criminoso. No caso de Victorson, há ainda a acusação de conspiração para cometer assassinato.
A ação iraniana representa uma nova frente na guerra clandestina travada há décadas entre os dois países. Enquanto Israel busca conter as ambições nucleares de Teerã, o Irã financia grupos aliados nas fronteiras israelenses. Ainda que o recrutamento de cidadãos comuns pareça insignificante diante da infiltração sofisticada da inteligência israelense em solo iraniano — como os ataques a instalações nucleares e cientistas —, especialistas alertam que o Irã também tenta agir em Israel.
Autoridades afirmam que o aliciamento de civis se intensificou após o ataque sem precedentes do grupo terrorista Hamas contra Israel em outubro de 2023, que deu início à guerra na Faixa de Gaza. Para o Estado judeu, a estratégia iraniana visa semear instabilidade interna e enfraquecer o tecido social do país. Ao mirar amplamente, os recrutadores esperavam encontrar quem aceitasse matar — além de levantar questões preocupantes sobre a lealdade da população.
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Ao longo do último ano, segundo o governo israelense, o Shin Bet e a polícia desmantelaram mais de 25 casos de recrutamento pela internet e frustraram dezenas de outros ainda nos estágios iniciais. “Os iranianos estão investindo grandes somas de dinheiro e recursos em um esforço amplo para recrutar israelenses pela internet para realizar missões”, afirmou o Shin Bet em nota. Uma campanha pública do governo israelense alerta, em propagandas de rádio e nas redes sociais, que “dinheiro fácil” pode ter um “preço alto”: anos de prisão.
Teerã não respondeu aos pedidos de comentário. Recentemente, porém, autoridades iranianas acusaram Israel de estar por trás de uma série de explosões e incêndios misteriosos no Irã.
O caso de Victorson, afirmam especialistas, segue uma cartilha clássica da espionagem: começa com “pequenas quantias por tarefas simples”, disse Shalom Ben Hanan, ex-oficial de contrainteligência do Shin Bet. À medida que os valores e os riscos aumentam, porém, cresce também a tentação. A pessoa pensa que fez e que “não foi tão ruim assim, que não matou ninguém”, afirmou, e acaba “aceitando mais riscos”.
Mais de 40 israelenses foram presos no último ano sob acusações de colaborar com o inimigo em tempos de guerra — ou aguardam ser acusados. Um deles já foi condenado: Moti Maman, empresário de pouco mais de 70 anos, conhecido pelo estilo de vida extravagante, mas sem sucesso nos negócios. Preso em setembro de 2024, foi condenado a 10 anos de prisão em abril após ter sido contrabandeado duas vezes para o Irã e negociar a possibilidade de assassinar um político israelense.
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Os acusados compõem um retrato amplo da sociedade israelense. Entre eles estão judeus religiosos e seculares, imigrantes, cidadãos árabes, um israelense nascido no Irã, um soldado e um morador de assentamento judaico na Cisjordânia. Maman é o mais velho; o mais jovem tem apenas 13 anos. Em mais de uma dúzia de denúncias analisadas, os pagamentos — geralmente em criptomoedas — não ultrapassavam alguns milhares de dólares. A maioria dos suspeitos foi presa poucas semanas após o primeiro contato com os recrutadores iranianos.
As tarefas variavam: provocar incêndios, recuperar armas, dinheiro ou explosivos enterrados e transferi-los de local, comprar equipamentos como celulares e câmeras ou instalar programas de criptografia para comunicações seguras. Um dos réus foi orientado a mapear o trajeto por áreas militares sensíveis e alugar um apartamento com vista para o porto de Haifa. Outros dois deveriam instalar câmeras próximas à casa do ministro da Defesa, mas desistiram ao notar uma viatura policial. Dois jovens são acusados de planejar uma viagem ao Irã para receber treinamento antes de realizar um assassinato em território israelense.
Em uma audiência recente em Tel Aviv, Victorson e Bernstein compareceram ao tribunal vestidos com uniformes marrons de prisão. Sentaram-se separados por guardas e um painel de vidro enquanto um investigador da polícia prestava depoimento — um entre dezenas previstos pela acusação. A denúncia afirma que o casal executou as missões “sabendo que o agente agia em nome de um Estado inimigo ou organização terrorista” e ciente de que suas ações poderiam comprometer a segurança nacional.
O advogado de Victorson, Igal Dotan, contesta. Segundo ele, não há provas de que o contratante fosse do Irã ou de qualquer país inimigo. Como em outros casos, o nome do Irã e o termo “espionagem” não aparecem formalmente na denúncia, e os materiais do Shin Bet permanecem sob sigilo. Dotan também afirma que seu cliente foi interrogado pela inteligência israelense sem acesso prévio a um advogado, e depois pela polícia — sem que os interrogatórios tenham sido filmados ou gravados, o que dificulta a defesa.
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O investigador que depôs não negou essas alegações, mas reforçou que o agente era iraniano, com base em informações repassadas pelo Shin Bet. A agência diz que suas ações seguiram os protocolos legais e foram supervisionadas pela Justiça.
Já o advogado de Bernstein, Iaroslav Matz, sustenta que sua cliente acreditava estar colaborando com ativistas políticos. Ela, que conheceu Victorson aos 17 anos, foi descrita por sua defesa como “uma jovem ingênua, influenciada por ele”.
Segundo a acusação, Victorson chegou a recusar algumas missões, como a sabotagem de caixas de energia, por medo de se ferir com o ácido. Ao ser enviado para fotografar um protesto em Tel Aviv, foi impedido pela polícia e tentou enganar o recrutador com imagens encontradas na internet. Ainda assim, segundo a promotoria, Bernstein teria incentivado Victorson a incendiar carros.
Seu advogado nega que ela tenha participado do plano para matar o professor. O agente teria dito a Victorson que o alvo o havia traído e não trabalhava para o governo. Prometeu quitar suas dívidas em troca do assassinato — ou pagar US$ 40 mil (R$ 219 mil) para eliminar outro alvo. Ofereceu-se ainda para encontrar o casal na Rússia e transferi-los para um terceiro país.
Na noite de 22 de setembro, Victorson avisou o recrutador que poderia comprar um rifle de precisão por US$ 21 mil (R$ 115 mil). Horas depois, ele e Bernstein foram presos.
2025-08-20 00:00:00