Facções migram das ruas para os celulares e dominam golpes digitais no Brasil

As facções criminosas, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), estão migrando das ruas para os celulares. O que antes era dominado por assaltos à mão armada e tráfico de drogas agora se expande para


As facções criminosas, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), estão migrando das ruas para os celulares. O que antes era dominado por assaltos à mão armada e tráfico de drogas agora se expande para o ambiente digital, com fraudes bancárias, extorsões e golpes virtuais operados em escala industrial.

A nova frente de atuação do crime organizado já faz milhões de vítimas e escancara a fragilidade do Estado brasileiro em conter sua expansão pelas divisas dos estados e pelas fronteiras internacionais, por onde entram armas e recursos que alimentam esse sistema criminoso.

Pesquisa Datafolha revela o impacto devastador dos crimes digitais

Segundo levantamento do Instituto Datafolha, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1 em cada 3 brasileiros foi vítima de golpe virtual nos últimos 12 meses — o equivalente a 56 milhões de pessoas. O prejuízo financeiro total ultrapassa R$ 111,9 bilhões. Os crimes mais comuns envolvem transferências via Pix, boletos falsos, clonagem de cartões e compras online não entregues.

A pesquisa, divulgada na última quinta-feira (14) durante o 19º Encontro Nacional do Fórum em Manaus, mostra que os crimes patrimoniais migraram para o ambiente digital, especialmente após a pandemia. Com cerca de 258 milhões de smartphones em uso no país, o celular se tornou o principal vetor da nova criminalidade.

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Celular roubado é porta de entrada para o golpe digital

O estudo aponta que vítimas de roubo ou furto de celular têm 3,7 vezes mais chances de sofrerem crimes virtuais. Entre julho de 2024 e junho de 2025, cerca de 15,7 milhões de brasileiros tiveram seus aparelhos levados, gerando um prejuízo médio de R$ 1.700 por vítima — ou R$ 26,7 bilhões no total.

As facções criminosas deixaram de atuar apenas dentro dos presídios. Hoje, operam centrais telefônicas clandestinas, com estrutura profissional voltada à aplicação sistemática de fraudes digitais. O objetivo: movimentar e lavar o lucro do tráfico de drogas com baixo risco penal, já que crimes digitais são de difícil investigação.

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que o crime virtual já representa uma fatia relevante do faturamento das facções. “Antes, o PCC usava a maconha como capital de giro da cocaína. Hoje, é o ouro, o desmatamento e o crime digital — alimentado pelo celular. O Estado está pouquíssimo aparelhado para lidar com isso”, alerta.

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Vítimas escolhidas por perfil financeiro

O crime digital deixou de ser aleatório. As facções escolhem seus alvos com base em renda e escolaridade. Entre os entrevistados das classes A/B, 27,6% afirmaram ter sido vítimas de chantagens com dados pessoais. Já nas classes C/D/E, o índice foi de 16,4%. A lógica é clara: atacar quem pode pagar mais.

A diferença também aparece em compras não entregues e suspeitas sobre a autenticidade de produtos adquiridos online. Na classe A/B, 25,1% relataram prejuízos com compras não entregues, contra 15,4% na C/D/E. Já a desconfiança sobre a origem de mercadorias foi de 46,3% entre os mais ricos, contra 23,3% entre os mais pobres.

Crimes presenciais ainda persistem — e armados

Apesar da migração digital, os crimes físicos continuam a fazer vítimas. Cerca de 36 milhões de brasileiros foram alvo de roubos, assaltos ou sequestros relâmpago no último ano. Em 25,2% dos casos, os criminosos estavam armados. Os latrocínios, embora tenham caído nacionalmente, aumentaram em 12 estados, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

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Fronteiras abertas, facções fortalecidas

A entrada de armas pelas fronteiras e a circulação de drogas pelas divisas estaduais seguem sem controle efetivo. Mato Grosso do Sul, por exemplo, abriga núcleos de nove das 12 facções interestaduais, impulsionadas pela rota do narcotráfico que cruza o Paraguai e a Bolívia. A ausência de uma política nacional de segurança permite que essas organizações se fortaleçam e se espalhem.

Facções se tornaram forças digitais

O Brasil vive uma transformação silenciosa e perigosa: o crime organizado deixou de ser apenas uma ameaça física e se tornou uma força digital, estratégica e lucrativa. As facções criminosas operam com inteligência empresarial, exploram vulnerabilidades tecnológicas e se expandem territorialmente diante da omissão estatal.

O resultado é um país onde o celular virou instrumento de extorsão, o Pix virou ferramenta de saque, e o cidadão, alvo fácil de um sistema criminoso cada vez mais sofisticado.

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Facções já atuam como poder paralelo

Mas o avanço das facções criminosas não se limita ao tráfico de drogas ou aos golpes digitais. Em diversas regiões do país, grupos como o PCC e o Comando Vermelho já controlam serviços essenciais, como transporte alternativo, distribuição de gás, segurança privada e até fornecimento de internet em comunidades dominadas.

Além disso, há registros crescentes de infiltração no poder público, com influência em processos eleitorais, financiamento de campanhas e participação em licitações municipais.

Esse domínio territorial e institucional configura um poder paralelo que desafia diretamente o Estado. A presença contínua das facções em áreas vulneráveis, aliada à ausência de políticas públicas eficazes, levanta o alerta para uma possível transformação do Brasil em um narcoestado — onde o crime organizado dita regras, impõe leis e substitui o Estado na gestão da vida cotidiana.

A escalada é silenciosa, mas profunda, e exige uma resposta urgente e estruturada das autoridades.



Conteúdo Original

2025-08-18 07:00:00

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