Entre os alvos da guerra comercial de Trump, há grupo que sofreu ameaças à soberania
Desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou à Casa Branca em janeiro, líderes de algumas das principais democracias ocidentais têm reforçado uma ideia essencial: seus países são soberanos.
Com o início da política do “tarifaço”, um grupo específico de países — destacado pelo jornal “The New York Times” — passou a ser alvo direto do republicano. Todos têm algo em comum: a soberania foi questionada pelas ações do governo americano.
Trump utilizou tarifas, investigações comerciais e até ameaças de força para pressionar países como México, Panamá e Brasil a aceitarem suas demandas políticas e econômicas.
No caso do Brasil, o cenário foi ainda mais delicado. Além da dificuldade em manter um diálogo direto, o país enfrentou uma exigência considerada impossível de atender.
Veja a seguir.
Canadá e Panamá
Mark Carney, faz um discurso ao ser apresentado durante o anúncio da liderança liberal em Ottawa, Ontário, domingo, 9 de março de 2025.
Sean Kilpatrick/The Canadian Press via AP
Desde o começo do mandato, em janeiro, Donald Trump chegou a sugerir a anexação do Canadá como o 51º estado dos EUA. Essas declarações despertaram um forte sentimento nacionalista, especialmente durante as eleições de abril, que resultaram na expressiva vitória do atual primeiro-ministro Mark Carney.
Membro do Partido Liberal, Carney prometeu proteger o Canadá das “ameaças à nossa soberania” vindas dos EUA e, desde que assumiu, insiste na importância de manter a independência do país frente à influência americana.
Apesar de rejeitar publicamente a proposta de Trump, o Canadá segue negociando com a Casa Branca para evitar uma escalada nas tarifas comerciais.
O Panamá, por outro lado, foi um dos primeiros alvos da política de “bullying institucionalizado” promovida por Trump, especialmente no que diz respeito ao controle do Canal do Panamá.
O presidente americano criticou as taxas cobradas, lembrando que os EUA administraram o canal até 1999. O governo do Panamá recusou-se a conceder um “passe livre” aos EUA, com o presidente José Raúl Mulino afirmando que “a soberania e a independência do nosso país não são negociáveis”.
Porém, sob pressão crescente, o país permitiu o envio de tropas americanas para bases locais e concedeu facilidades especiais no uso do canal, incluindo acesso gratuito e prioritário à hidrovia.
Para o analista Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV-SP, o caso desses dois países é ainda mais grave, pois envolve a ameaça de anexação territorial.
“É muito mais grave do que qualquer coisa que se possa fazer, uma ameaça inteira ou parcial de anexação de seu território. Se trata não apenas de uma ameaça militar, mas, sim, de uma ameaça existencial”, disse.
México
Claudia Sheinbaum, presidente do México, anuncia acordo com Donald Trump para pausar tarifas por um mês
REUTERS/Raquel Cunha
Outro vizinho que virou alvo das ameaças de Trump foi o México. O presidente americano criticou duramente a forma como o país trata imigração, combate às drogas e questões comerciais.
Em resposta, a presidente Claudia Sheinbaum adotou uma postura firme, reafirmando sua autoridade e soberania nacional, mas buscando manter o diálogo com o governo dos EUA.
Segundo o “New York Times”, Sheinbaum enfatizou em pelo menos 30 entrevistas desde o início do ano que o México é uma nação soberana. Em junho, declarou com firmeza que “o México não está subordinado a ninguém”.
Apesar do discurso firme, a presidente atendeu a algumas demandas de Trump, como o aumento do efetivo militar na fronteira e a extradição de líderes de cartéis de drogas para os EUA.
Colômbia
Presidente colombiano, Gustavo Petro, durante discurso em evento no dia 9 de maio de 2023
Luisa Gonzalez/REUTERS
Donald Trump ameaçou aplicar tarifas de até 50% sobre produtos colombianos após o presidente Gustavo Petro se recusar a aceitar voos com imigrantes deportados dos EUA. A retaliação foi uma resposta direta à resistência do governo colombiano em colaborar com a política migratória americana.
Em um primeiro momento, Petro reagiu com contundência. “Eu não aperto a mão de escravizadores brancos”, declarou o presidente em um discurso que ganhou repercussão internacional.
Apesar da retórica contundente, o líder colombiano recuou pouco depois, permitindo a retomada dos voos com deportados — um sinal da pressão efetiva da Casa Branca.
Assim como a Colômbia, outros países que receberam ameaças semelhantes acabaram, em maior ou menor grau, cedendo às exigências do governo Trump diante dos riscos econômicos e diplomáticos.
Para a doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics, Carolina Pavese, a estratégia adotada por Trump desde o início das ameaças do tarifaço é “escalar para depois desescalar” tanto as tensões quanto as ameaças.
“Foi assim com todos os países, inclusive com aqueles que ele fechou algum tipo de acordo. Interessante observar que, mesmo no caso daqueles que conseguiram evitar o tarifaço anunciado, as negociações sempre resultaram em uma condição de comércio bilateral pior do que o cenário (e as tarifas) pré-Trump”, afirmou.
Brasil
Entrevista de Lula para a Reuters
Adriano Machado/Reuters
O Brasil foi o último a integrar o grupo e enfrenta atualmente uma situação complicada. Além da dificuldade em dialogar com a Casa Branca, o país recebeu uma exigência impossível de cumprir, pois envolve interferência do Executivo no Judiciário.
O governo brasileiro enfrentou uma nova crise diplomática com os EUA após a decisão do presidente Donald Trump de aplicar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros — a maior taxa já imposta pelo governo americano ao Brasil.
A medida, anunciada unilateralmente, entrou em vigor nesta quarta-feira e afeta setores estratégicos da exportação brasileira.
Para o governo brasileiro, a ação viola princípios do comércio internacional e representa uma ameaça direta à soberania econômica do país. Em resposta, o Brasil acionou formalmente a Organização Mundial do Comércio (OMC), que pode julgar disputas entre países-membros.
“A questão de Jair Bolsonaro é cortina de fumaça para interesses bem mais estratégicos e que trazem ganho real para Trump: frear a regulamentação das Big Techs, diminuir o risco de perda de mercado das operadoras de cartão de crédito, abalar a credibilidade de outras potências via BRICS e agora apareceu também a questão de acesso às terras raras’, afirma Pavese.
O professor de Relações Internacionais da FGV e FAAP, Vinicius Rodrigues Vieira, ressalta a tentativa de Trump de recuperar influência no Hemisfério Ocidental, principalmente na América Latina. México, Colômbia e Brasil são alguns dos países mais relevantes da região em termos territoriais, econômicos e populacionais.
“São países governados por políticos à esquerda. E a esquerda, historicamente na America Latina, me parece ser muito mais nacionalista, pelo menos anti-imperialista, até com doses de antiamercanismo, do que a direita, que sempre foi muito mais favorável a um alinhamento com os EUA”, afirmou.
Para o professor, a pressão política deve continuar até as eleições de 2026 e pode aumentar caso um candidato não alinhado a Trump vença. “A luta do Brasil por sua soberania está apenas no começo e movimentos similares devem acontecer”, concluiu.
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