entenda a dinâmica do crime e por que este indicador ganhou atenção especial

A estratégia varia: os assaltantes podem entrar gritando e exibindo as armas, para disseminar o pânico no ônibus ou se aproximar discretamente de um passageiro, ameaçá-lo e fazê-lo passar os seus pertences. Muitas vezes, o motorista nem percebe a ação,


A estratégia varia: os assaltantes podem entrar gritando e exibindo as armas, para disseminar o pânico no ônibus ou se aproximar discretamente de um passageiro, ameaçá-lo e fazê-lo passar os seus pertences. Muitas vezes, o motorista nem percebe a ação, e o ladrão desce num ponto seguinte tranquilamente. O fato é que as duas experiências têm sido cada vez mais comuns na Barra da Tijuca e do Recreio, pelo que se conclui ao analisar os bairros isoladamente na ferramenta interativa Mapa do Crime, lançada semana passada pelo GLOBO, com dados inéditos sobre a criminalidade no Rio.

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O número de roubos a coletivos registrados na Barra aumentou 46,9% entre 2023 e o ano passado, depois de dois anos de queda, saltando de 98 para 144 casos. No Recreio, este tipo de crime disparou: teve alta de 114,6%, no mesmo período, com 41 casos reportados à polícia em 2023 e 88 em 2024. Entre 2020 e 2024, o bairro saltou do 35º para o 13º lugar no ranking deste tipo de crime na cidade. Uma das explicações possíveis é o aumento no número de residências, o que leva à maior movimentação de pessoas. O GLOBO-Barra foi às ruas da região conversar com passageiros de ônibus, para quem os números não são surpresa. Eles vivem no dia a dia a tensão de embarcar no transporte público.

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— Faço o mesmo trajeto há quatro anos e passei a andar escondendo a bolsa e o celular. Todo mundo tem o celular do ladrão; eu não saio sem o meu. Já vi acontecer assalto do meu lado nessa linha (692, Méier-Alvorada). Muitas pessoas preferem esperar mais no ponto e pegar o expresso, porque sabem que o ônibus não vai parar e ficarão mais seguras — conta uma jovem de 23 anos que preferiu não se identificar e diariamente se desloca de sua casa, na Zona Norte, para o BarraShopping, onde trabalha.

Os dados de segurança pública classificam uma ocorrência como roubo quando há violência ou grave ameaça à vítima. Se algo foi subtraído sem que ela percebesse, ou é puxado de suas mãos, por exemplo, caracteriza-se um furto. Segundo o delegado Neilson dos Santos Nogueira, da 16º DP (Barra da Tijuca), a maior dificuldade na investigação dos roubos em coletivos é a identificação do veículo onde o crime ocorreu, para que seja possível buscar pistas analisando imagens das câmeras de segurança.

— Mesmo sabendo a linha, muitas vezes a vítima não fornece o horário e o local precisos, por exemplo, porque fica nervosa e não se preocupa com estes dados. E são vários ônibus circulando. Fica difícil de a empresa identificar o veículo exato onde o crime ocorreu — destaca ele, que, apesar do volume de registros, diz que a percepção da polícia é de que a situação se mantém estável.

Ônibus-Barra-Recreio — Foto: Estação do BRT na Avenida das Américas, em frente ao Recreio Shopping: via é umas das que mais registram assaltos em ônibus na Barra

As informações dadas pelos passageiros são fundamentais para as investigações, ressalta Nogueira:

— Normalmente, procuramos contatar a vítima que fez o registro on-line, para obter o máximo de detalhes possível. O que nos interessa mais é saber onde os autores embarcaram e onde desembarcaram.

Na Barra, na maior parte dos casos, ainda segundo o delegado, os criminosos muitas vezes optam por assaltar apenas alguns passageiros a cada embarque e escolhem ônibus mais vazios, o que permite que dominem melhor suas vítimas e reduz a probabilidade de que outros passageiros percebam a ação e reajam. A polícia também já mapeou de onde vêm os ladrões.

— A maioria vem de Guaratiba e Santa Cruz — diz o delegado. — Alguns são de Campo Grande; alguns, da Cidade de Deus.

Programas tentam frear alta de casos

O detalhamento dos crimes é mais comum nos casos mais graves ou ostensivos, quando há muitas vítimas e o assalto chega ao conhecimento do motorista. Para ajudar a alimentar essa base de dados, a Federação das Empresas de Mobilidade do Estado do Rio de Janeiro (Semove) criou o Sistema de Acompanhamento de Frota em Emergência (Safe), site e aplicativo em que as empresas de ônibus registram as informações e compartilham imagens das câmeras de segurança. A ferramenta se tornou mais eficaz desde a sua digitalização, há dez anos, e acabou incorporada à ISP Geo, ferramenta de análise do Instituto de Segurança Pública (ISP), à qual as forças de segurança têm acesso.

— O Safe é complementar. Ele coopera com o enriquecimento do banco de dados que traz as manchas criminais (locais onde os crimes são mais frequentes) — explica o gerente de planejamento e controle do Semove, Guilherme Wilson.

Em março, a Secretaria estadual de Segurança se reuniu com representantes da RioÔnibus e das concessionárias SuperVia e Barcas Rio para ouvir as queixas relacionadas à violência. Uma das principais preocupações, no caso da RioÔnibus, é o bem-estar dos motoristas, que muitas vezes entram de licença médica ou abandonam a profissão devido ao trauma de um assalto ou à sensação frequente de estar em risco.

— Estamos aguardando uma segunda reunião. Essa onda de violência contra os ônibus faz com que as pessoas tenham medo de exercer a profissão. Não é fácil ver alguém embarcar e botar a arma na sua cara. Muitos profissionais ficam afastados uns dias, mas outros não conseguem voltar; alguns pedem demissão. Sabemos que centenas de rodoviários pediram afastamento, no ano passado, por conta de violência e vandalismo — relata Paulo Valente, diretor de comunicação da RioÔnibus, sindicato das empresas de ônibus da cidade.

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Ônibus para no ponto em frente ao Downtown, na Avenida das Américas — Foto: Danilo Perelló
Ônibus para no ponto em frente ao Downtown, na Avenida das Américas — Foto: Danilo Perelló

As precauções possíveis esbarram nas regras da concessão.

— Não podemos alterar itinerário. Continuamos botando ônibus na rua — exemplifica Valente. — Imagina se o motorista não parar por achar alguém suspeito? Lá vem reclamação, porque deixou passageiro a pé.

As empresas orientam os motoristas a não reagir e priorizar a integridade física dos ocupantes do ônibus, mas o medo segue com eles. É o que diz o motorista Leonardo Cardoso, que roda há três semanas em uma linha na Barra da Tijuca. Antes, ele atuava em outra que passa pela Avenida Brasil, onde, recentemente, o ônibus que conduzia foi assaltado. Ele parou para atender ao sinal de um casal de idosos e criminosos entraram atrás dos dois, empurrando-os e apontando suas armas.

— Hoje, já olho o passageiro e mais além, para ver se tem alguém que pode entrar de surpresa de novo. A empresa prestou assistência, mas, infelizmente, a gente já encara como normal. Um amigo policial é que me disse que eu não podia tratar isso dessa forma, e aí fui à DP para registrar o caso — conta ele.

Os passageiros também já andam em estado de alerta, como confirma a babá Fabiane da Silva, de 34 anos:

— Os pontos aqui ficam muito desertos, e de noite é ainda pior. Nos ônibus, eles entram por trás e assaltam. Eu venho só com o dinheiro da passagem na roupa. E não atendo o celular; já aviso isso ao meu marido, para ele não se preocupar.

Passageiros embarcam na Avenida Armando Lombardi — Foto: Marcelo Theobald
Passageiros embarcam na Avenida Armando Lombardi — Foto: Marcelo Theobald

Pelos dados da 16º DP, os assaltos em coletivos na Barra se concentram nos seus principais corredores de ônibus, as avenidas das Américas e Ayrton Senna. Nestas vias, onde há também estações de BRT, a Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) implantou o programa BRT Seguro. Os agentes são guardas municipais, em sua maioria, ou policiais militares contratados nas horas de folgas, que atuam nas estações e embarcados em alguns modais. Desde 2023, a pasta informa que 352 suspeitos foram conduzidos à delegacia por furto ou roubo somente nas estações da Américas.

Em nota, a Polícia Militar informou que a segurança do transporte tem sido uma das prioridades do 31º BPM (Recreio) e que a estratégia para combatê-los vem obtendo resultados positivos: “Diariamente, a análise da mancha criminal é revista e o patrulhamento voltado para coletivos é deslocado, conforme a necessidade”. O batalhão cita, por exemplo, que no primeiro semestre de 2025 foram registrados 34 casos de roubos em coletivos na Avenida das Américas, 19 a menos que em 2024.

Os locais, as linhas e os horários mais críticos

Dados da 16ª DP revelam que as avenidas das Américas e Ayrton Senna, dois dos principais corredores de ônibus da Barra da Tijuca, concentram a maior parte das ocorrências de roubos em coletivos registradas no bairro.

Segundo passageiros e rodoviários ouvidos pelo GLOBO-Barra, os criminosos costumam atacar algumas linhas mais do que outras. Foram citadas a 553 (Recreio-RioSul); a 315 (Central-Terminal do Terreirão/Recreio), especialmente na área próxima à Rua Pedra de Itaúna; a 692 e a 693 (Méier-Alvorada)

A plataforma Mapa do Crime, disponível no site do GLOBO, revela em que horários os assaltos a coletivos têm sido mais comuns na região: a volta para casa, no início da noite, é o momento mais visado pelos bandidos. Na Barra, a maior parte dos casos registrados ocorreu entre as 19h e as 21h, de segunda a quarta-feira. No Recreio, o pico foi das 18h às 20h, entre terça e sexta-feira.

Vivi para contar: Vanessa Simas, administradora, 45 anos

Ele me cutucou na cabeça com a arma, me xingou e pediu a senha”

— Vanessa Simas, administradora

“No dia 7 de julho, quando foi decretado feriado no Rio, peguei um 553 no Recreio entre 8h30 e 9h30 da manhã. Estava vazio; tinha de 15 a 20 pessoas. Na Avenida das Américas, ana altura do Posto Ipiranga, vi três elementos do lado de fora que achei suspeitos. Estavam discutindo e pareciam drogados, e pensei que o motorista nem iria abrir. Mas o ônibus parou e só subiram eles. Eram jovens, pareciam ter entre 25 e 30 anos. Dois estavam de capuz, passaram a roleta e começaram a gritar anunciando o assalto. O terceiro ficou na frente com o motorista.

Eles foram recolhendo os celulares. O terceiro pulou a roleta, me cutucou na cabeça com a arma, me xingou e pediu a senha do meu celular, que eu já tinha dado e falei novamente. Depois pediu meu relógio, me mandou a abrir a bolsa e pegou a carteira, que estava logo em cima. Xingou uma menina que estava olhando para nós e mandou um rapaz abaixar a mão. Os três desceram logo depois da estação do BRT da Avenida Salvador Allende, num viaduto em frente ao Barra Sul.

Ficou uma discussão no ônibus se íamos para a delegacia ou não. Eu estava perto da casa do meu chefe e fui lá para bloquear banco, cartões e redes sociais. Foi a primeira vez que presenciei isso. Quando eles descem, vem o choro, a raiva, pensamos nas coisas que conquistamos e perdemos. Depois realmente fica o trauma, tenho medo de andar na rua, de qualquer pessoa. Outro dia, entrou um rapaz rápido no BRT e eu já fiquei assustada; guardei o que tinha. Mas é o lugar que a gente vive. O que mais fica é o sentimento de impotência. Meu telefone não era dos mais caros, porque eu já tinha sido assaltada com um telefone muito caro, há dez anos. Nas ruas, frequentemente fala-se de assalto. Moro no Recreio há sete anos. Logo que me mudei, descia nas Américas e ia andando sem preocupação. Até para dar uma caminhada, ir relaxando. Era um bairro muito tranquilo. Hoje tenho medo”.

Entenda o que é o Mapa do Crime

Quais são os bairros mais perigosos do Rio? Onde os roubos avançaram? Quais é o horário menos seguro para caminhar pela vizinhança? Para ajudar a responder essas perguntas e entender a dinâmica da violência na cidade, o GLOBO desenvolveu o Mapa do Crime, uma ferramenta interativa de monitoramento de roubos no Rio com dados inéditos de delitos por bairros. Disponível no site do jornal, o mapeamento disponibiliza informações sobre quatro crimes diferentes — roubos de celular, a transeunte, de veículo e em coletivo — em 147 bairros diferentes da capital.

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A ferramenta foi produzida a partir de microdados de mais de 250 mil registros de ocorrências obtidos via Lei de Acesso à Informação junto ao Instituto de Segurança Pública (ISP). O órgão, responsável por compilar as estatísticas da segurança no estado, divulga mensalmente indicadores divididos por áreas de batalhões e delegacias — que abrangem, na maioria dos casos, vários bairros. Buscando entender dinâmicas criminais hiperlocais, o GLOBO solicitou dados mais precisos de localização dos crimes e recebeu informações sobre os bairros onde cada ocorrência foi registrada, menor unidade territorial disponibilizada pelo ISP. É a primeira vez que indicadores criminais no Rio são divulgados com esse nível de detalhamento.



Conteúdo Original

2025-07-27 05:00:00

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