De um lado, o traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão — chefe do tráfico e criador do Complexo de Israel, pertencente ao Terceiro Comando Puro (TCP) — se entusiasma com um vídeo que mostra drones lançando granadas: “P…! coisa linda, irmão, coisa linda. A gente tem que vir com todo aparato de inteligência possível. Esses drones que jogam bomba aí, a gente tem que comprar com urgência!” (sic). A fala consta em relatório sigiloso do Ministério Público Federal, com base em áudios extraídos pela Polícia Federal do celular de Everson Vieira Francesquet, o “Visionário”, operador de máquinas que, segundo a investigação, seria o responsável pela compra e operação dos drones dentro da quadrilha.
- Comando Vermelho: integrante da cúpula de facção criminosa, traficante Doca é um dos investigados por drones lançadores de granadas no Rio
- Terceiro Comando: PF descobre esquema de Peixão para comprar armas e equipamentos online e receber em casa
De outro lado, está o chefe do tráfico do Comando Vermelho, Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, que comanda principalmente os complexos do Alemão e da Penha e disputa com Peixão o controle de favelas na Zona Norte. Doca também vibra ao receber imagem semelhante, enviada por um homem identificado pelos agentes como “Da Marinha”: “Demorô. Mas nós temos que ver a granada, tá ligado, não? Só vê a granada que nós coloca. Já é. Nós faz o teste” (sic). A informação aparece em outro relatório reservado da PF, no qual o suposto vendedor — o cabo da Marinha Rian Maurício Tavares Mota — tenta demonstrar conhecimento técnico ao explicar ao “chefe” que é preciso adquirir um dispensador, equipamento usado para acoplar ao drone e lançar as granadas.
Militar e armeiro operavam arsenal de Peixão e Doca
As duas conversas revelam como a disputa entre facções criminosas no Rio de Janeiro também se estendeu aos céus. De acordo com as investigações da Polícia Federal, cada organização criminosa vem utilizando drones e armamentos pesados para enfrentar rivais e conquistar territórios.
Nos últimos 12 meses, a Polícia Federal identificou dois suspeitos responsáveis pelo fornecimento de equipamentos de guerra e fuzis novos às principais facções criminosas do Rio. Além das prisões de Everson e Rian, a corporação apreendeu, apenas nos últimos seis meses, 11 fuzis, sete toneladas de drogas — entre cocaína e maconha — e peças suficientes para a montagem de mais 20 fuzis.
- Falta de fiscalização como motivo: Peixão planejou abrir empresa de fachada no Paraguai para facilitar importação de armas
Embora muitas vezes estejam interligados, o contrabando de peças e o tráfico de armas são crimes distintos e com punições diferentes. O contrabando, tipificado no artigo 334-A do Código Penal, refere-se à importação ou exportação de mercadorias proibidas e prevê pena de reclusão de 2 a 5 anos. Já o tráfico internacional de armas de fogo, acessórios ou munições sem autorização legal, é crime previsto no artigo 18 do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) e prevê pena significativamente mais severa: reclusão de 8 a 16 anos, além de multa.
O superintendente da Polícia Federal no Rio, o delegado federal Fábio Galvão, ressalta que, com o julgamento da ADPF 635 — conhecida como ADPF das Favelas —, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a Polícia Federal instaurasse inquéritos com equipes de dedicação exclusiva para investigar organizações criminosas violentas e suas conexões com agentes públicos, com foco em milícias, tráfico de armas e lavagem de dinheiro.
— Com a decisão da ADPF, a Polícia Federal passou a ter a atribuição de atuar diretamente na repressão às facções criminosas, com investigação e inteligência. No Rio, nossa força conta com mil homens para cuidar da parte administrativa, da emissão de passaportes e das investigações — e conseguimos apreender 11 fuzis. Ainda temos que combater a corrupção e estamos atuando fortemente contra as organizações criminosas — afirmou Galvão.
- Alvo de operações: Complexos da Penha e Alemão são ‘coração’ do Comando Vermelho e local onde um dos principais chefes da facção se esconde
PF prepara reforço no combate às facções após decisão do STF
O superintendente da PF fluminense afirmou ainda que a ADPF 635 permitirá o reforço do efetivo de investigadores federais no Rio de Janeiro.
— Esse reforço aumentará de forma substancial a nossa capacidade de inteligência na investigação contra a criminalidade violenta, nos moldes da extinta Missão Suporte — grupo de elite da PF que atuou de dezembro de 2006 a março de 2009, do qual participei como delegado. Além disso, estamos fortalecendo a integração com a inteligência da Polícia Civil, com foco em ações estratégicas — garantiu o delegado.
Galvão foi subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio entre 2011 e 2018, durante a gestão do delegado federal José Mariano Beltrame à frente da pasta. Ele relembra que, naquele período, foram presos chefes do tráfico do Comando Vermelho, como Luís Cláudio Machado, o Marreta, e Marcelo Pinto Veiga, o Marcelo Piloto. Ambos foram capturados no Paraguai, em ações conjuntas entre as Secretarias de Segurança do Rio e a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) do Paraguai, em dezembro de 2014 e 2017, respectivamente.
- Disputas sem fim: Em conversa, Peixão fala em usar equipamento de guerra para ‘explodir’ integrante da cúpula do CV: ‘Meta vai ser essa’
A estratégia atual de Galvão à frente da superintendência, voltada à investigação das organizações criminosas comandadas por Peixão e Doca, segue a mesma linha adotada nos casos de Marreta e Marcelo Piloto — agora com mais recursos tecnológicos. Isso porque, segundo ele, as duas facções também passaram a utilizar equipamentos modernos de guerra.
— Não é razoável que esses grupos criminosos contem com especialistas em drones. Pedimos a transferência do armeiro do Peixão para um presídio federal. Ele era o operador dos drones do traficante e responsável por adquirir armamento pesado para fomentar a guerra entre o CV e o TCP. O mesmo ocorria com Doca, que utilizava a mão de obra de um militar — ressaltou.
‘Senhor das Armas’ enviava fuzis dos EUA para facções do Rio
Outra investigação em curso na Polícia Federal envolve um agente aposentado da corporação, que atuava no Aeroporto Internacional do Rio e é suspeito de envolvimento com o tráfico internacional de armas. No início deste ano, uma busca e apreensão foi realizada na residência do investigado, apontado como colaborador de Frederick Barbieri — preso em Miami e conhecido como o “Senhor das Armas”.
Em junho de 2017, um carregamento com 30 rifles AR-15 e 30 fuzis AK-47 foi apreendido no Aeroporto Internacional do Rio, escondido dentro de aquecedores de piscinas. As investigações apontaram Barbieri como o responsável pelo envio das armas de Miami para o Brasil, onde seriam distribuídas a diversas facções criminosas no estado. Ele foi preso no ano seguinte.
As defesas de Everton e Rian alegam a inocência de ambos. No caso do primeiro, seu advogado pediu no processo que ele não seja transferido para um presídio federal, por ser primário, ter endereço fixo e que, na época dos fatos, era operador de máquinas de uma empresa particular.
2025-07-26 17:13:00