Era por volta de uma hora da tarde de uma terça-feira útil, e a repórter caminhava pela Rua Conde de Bonfim em direção à Praça Saens Peña. A rua estava cheia, movimentada, como é de praxe. No meio do trajeto, o barulho inusitado e o susto: “É tiro”, gritou uma pessoa. A solução foi correr para uma loja de produtos de beleza onde um amontoado de gente espantada procurava saber o que tinha acontecido. Não era tiro, mas uma pedra que havia sido jogada por um garoto em cima de um transeunte que ralhou com ele por ter furtado o cordão de uma senhora que passava.
— Na Tijuca é todo dia isso. Os de moto, então, a gente vê toda hora. No sábado mesmo roubaram um casal que passava aqui pela calçada à noite. Depois que o comércio fecha, eles ficam à vontade — desabafou uma das vendedoras, contando que, apesar de testemunhar muitos casos, nunca sofreu roubos na região. — Eles sabem quem trabalha no comércio.
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No último dia 7, a Tijuca completou 266 anos com números que poderiam inibir a comemoração. De acordo com dados inéditos obtidos pelo Mapa do Crime, ferramenta recém-criada pelo GLOBO, o roubo de celulares no bairro quintuplicou em quatro anos, passando da 16ª para a segunda posição no ranking geral da cidade. No Maracanã, a quantidade de roubos de celulares cresceu dez vezes neste mesmo período. Este ano, desde janeiro, a Polícia Militar já contabilizou 1.051 casos na região. O modus operandi dos bandidos se repete com frequência: eles usam motos ou bicicletas com bags de empresas para se camuflar como entregadores de delivery, aproximam-se em ruas e calçadas e apontam uma arma ou uma faca. Em muitos casos, podem estar até desarmados, mas intimidam pela ameaça e pela brutalidade.
— É quase uma modalidade olímpica. Os roubos são muito rápidos, duram dez, 15 segundos — analisa o jornalista Rodrigo Rebechi, editor do portal Grande Tijuca.
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A página, diz ele, recebe por mês cerca de 20 vídeos de acontecimentos no bairro. Mais da metade deles expõe a fatídica cena. Nos roubos a veículos, a mesma situação: os motoqueiros se aproximam, geralmente em duplas, e exigem os pertences pessoais, principalmente os celulares, das vítimas.
Os casos acontecem amiúde e se tornam assuntos triviais de rodas de conversa. O atleta Victor Queiroz caminhava para o mercado com a mulher e a sogra quando foi abordado por motoqueiros armados travestidos de entregadores. Além de entregar o celular, ainda precisou digitar a senha de desbloqueio. O publicitário Marcos Vinícius Lisboa, de 27 anos, mudou-se da Ilha do Governador para a Rua Dulce, na Tijuca, em setembro. Desde então já sofreu três tentativas de assalto perto de onde mora. Na primeira, retornava a pé do bar Baródromo, na Rua Dona Zulmira, quando sentiu que seria abordado e apressou o passo. Na segunda, estava com o namorado na Rua Pereira de Siqueira quando a moto se aproximou e dois homens armados pediram os celulares. Na terceira, indo para um ponto de ônibus na Almirante Cochrane, sentiu que estava sendo seguido por uma bicicleta. Correu novamente e entrou na sua rua, que tem guarita e segurança. As situações provocaram uma mudança de hábitos no rapaz, que passou a andar de tênis para correr com mais facilidade e a procurar lugares cujos trajetos passem por ruas mais iluminadas.
— A gente vai criando mecanismos de segurança para se proteger. Tenho um aplicativo que mostra a distância do ônibus, então só vou para o ponto quando sei que ele está perto— diz ele.
Após ser assaltada duas vezes no bairro, em 2023 e 2024, a engenheira Fernanda Mussi decidiu viver sem carro. Em ambos os casos, nas ruas Maria Amália e Desembargador Isidro, foi abordada por motociclistas que levaram tudo, com ênfase nos celulares.
— Na segunda vez, só pedi para pegar a mochila do meu filho e ouvi um pedido para deixar o celular. Logo depois, ainda soube que meu vizinho tinha sido roubado da mesma forma um mês antes na Rua Henry Ford. Não quero mais ficar tão tensa dirigindo como eu estava, preocupada com as motos o tempo inteiro — afirma a tijucana.
A aposentada Sofia Nogueira andava pela Rua Garibaldi, na Muda, quando ouviu o famigerado “Perdeu!”. Atônita diante da situação, gritou por socorro e viu quando o assaltante correu de volta em direção à moto, que estava estacionada na calçada.
— Ele era mais velho, estava com o capacete na mão, se aproximou de surpresa e ficou apontando para a minha bolsa. Eu disse que não daria, comecei a gritar. Ele correu, subiu na moto e foi embora — relata.
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Em uma tentativa de coibir a ação de ladrões, o 6º Batalhão de Polícia Militar (BPM), localizado na Rua Barão de Mesquita, iniciou, no começo deste mês, a Operação Joio e Trigo, com foco nos falsos entregadores e em motoristas e ciclistas que podem ser considerados suspeitos. Cerca de 50 policiais estão em locais estratégicos da Tijuca em dois horários, diariamente. Por meio do aplicativo da polícia, verificam, na hora, se o motorista é cadastrado em aplicativos de entrega de comida ou não. Até agora, já foram feitas mais de 1.104 abordagens.
— Medimos o sucesso da ação não pelo número de presos, mas pelo número de crimes que estão deixando de acontecer. A nossa atuação é preventiva — explica o tenente coronel Rogério Brum, comandante do 6º Batalhão desde março.
A mancha criminal, descreve ele, concentra-se em grandes corredores do bairro, como a Avenida Maracanã e as ruas São Francisco Xavier, Haddock Lobo e Conde de Bonfim. Nas últimas semanas, o sistema mostrou que houve um aumento de ocorrências nas ruas Gonzaga Bastos e Felipe Camarão. Por isso, nos últimos dias houve blitzes nesses locais.
— O curioso é que poucas vezes abordamos alguém armado. Acredito que muitas vezes eles apenas fingem que estão, mas ninguém quer pagar para ver. E na maioria das vezes eles já têm passagem pela polícia e foram soltos, em muitas casos, uma semana antes. Tem gente que chega na delegacia rindo, no deboche — lamenta o comandante.
Base do Segurança Presente
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A Praça Saens Peña, um polo de comércio e de gente na região, também tem policiamento reforçado. Das 8h às 20h, cerca de 45 agentes do Segurança Presente patrulham o entorno, que inclui a Conde de Bonfim, a General Roca, a Barão de Mesquita e a Santo Afonso, todas próximas ao Shopping Tijuca. Nos últimos meses, motociclistas e ciclistas foram o alvo majoritário dos policiais. No primeiro semestre deste ano foram 23.086 abordagens, 19 presos e 16 celulares apreendidos/recuperados. Houve Aumento considerável nos números em relação ao mesmo período de 2024.
Os criminosos são encaminhados para a 18ª DP (Praça da Bandeira/Maracanã), na Rua Barão de Iguatemi, ou para a 19ª DP (Tijuca), na Rua Espírito Santo Cardoso. As medidas vêm tendo resultado. De acordo com dados recentes do Instituto de Segurança Pública (ISP), os índices de roubo vêm caindo gradativamente na área da 19ª DP, com uma redução de 42% entre janeiro e maio deste ano.
Se há medidas preventivas há também o empenho para evitar a continuidade do crime. Em maio, a Polícia Civil deflagrou a Operação Rastreio, que visou ao combate de toda a cadeia criminosa envolvendo a subtração e a receptação de celulares. Agentes já apreenderam cerca de cinco mil celulares roubados ou furtados, sendo 1.400 aparelhos devolvidos aos legítimos donos na última terça-feira. Neste mesmo período, cerca de 270 criminosos foram presos.
No entorno da Uerj, medo faz parte da rotina
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Desde agosto do ano passado, o estudante Matheus Ferraz só retorna da Uerj, onde estuda, para casa, na Tijuca, em carro de aplicativo. Após ser assaltado dentro de um ônibus da linha 621 (Penha-Saens Peña) e perder o celular — que ainda estava pagando — ficou com receio de passar pela situação novamente. Assim como ele, muitos estudantes do período noturno da universidade sofrem com a volta para casa.
— As pessoas têm medo de ficar no ponto, de passar pela passarela. Há grupos de estudantes que se organizam para andar juntos por ali — diz.
A namorada dele mora em frente à Uerj e costuma ouvir, com frequência, gritos que ecoam do entorno da faculdade estadual.
Em busca de dirimir o problema, a Subprefeitura da Grande Tijuca instalou 30 projetores e 60 luminárias de LED, além de sete postes de fibra, resistentes à corrosão no entorno da Uerj, além de ter trocado a iluminação em cinco coretos em praças da região. Segundo o comandante Rogério Brum, do 6º BPM, o policiamento vem sendo reforçado principalmente em dias de jogo no Maracanã, quando falsos flanelinhas se aproveitam para roubar os passantes. De acordo com ele, entre 60% e 70% deles têm passagem pela polícia por roubo ou furto.
— Fizemos uma realocação de policiamento. Antes, o policial era voltado para brigas de torcida. Tivemos que redirecionar o foco para roubos e furtos. Acompanhando a mancha criminal, houve redução expressiva de delitos de 2024 para cá — informa.
Entenda o que é o Mapa do Crime
Quais são os bairros mais perigosos do Rio? Onde os roubos avançaram? Quais é o horário menos seguro para caminhar pela vizinhança? Para ajudar a responder essas perguntas e entender a dinâmica da violência na cidade, o GLOBO desenvolveu o Mapa do Crime, uma ferramenta interativa de monitoramento de roubos no Rio com dados inéditos de delitos por bairros. Disponível no site do jornal, o mapeamento disponibiliza informações sobre quatro crimes diferentes — roubos de celular, a transeunte, de veículo e em coletivo — em 147 bairros diferentes da capital.
A ferramenta foi produzida a partir de microdados de mais de 250 mil registros de ocorrências obtidos via Lei de Acesso à Informação junto ao Instituto de Segurança Pública (ISP). O órgão, responsável por compilar as estatísticas da segurança no estado, divulga mensalmente indicadores divididos por áreas de batalhões e delegacias — que abrangem, na maioria dos casos, vários bairros. Buscando entender dinâmicas criminais hiperlocais, o GLOBO solicitou dados mais precisos de localização dos crimes e recebeu informações sobre os bairros onde cada ocorrência foi registrada, menor unidade territorial disponibilizada pelo ISP. É a primeira vez que indicadores criminais no Rio são divulgados com esse nível de detalhamento.
2025-07-26 05:00:00