A região que concentra os recordistas de roubos de carros no município do Rio fica nas cercanias do Complexo do Chapadão, na Zona Norte. Após alta de 50,6% nos registros em 2024, a Pavuna — que abriga parte do conjunto de favelas — alcançou a marca de 637 casos em 12 meses. Em números absolutos, foi o segundo bairro com mais crimes do tipo no ano passado. Ranking que tem em primeiro lugar o bairro vizinho de Irajá, ainda na órbita de influência do Chapadão. Foram 766 casos no período, 68% a mais do que em 2023. A área ainda tem o nono colocado da lista, Guadalupe — onde fica o Gogó da Ema, uma das favelas do complexo —, que em 2024 contabilizou 297 ataques a motoristas, 26,4% acima de 2023.
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Investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio (MPRJ) apontam que um esquema milionário de resgate de carros pode estar por trás dessa explosão. O negócio ilícito envolve traficantes, ladrões especializados em roubos de veículos, policiais e empresas recuperadoras. A trama veio à tona num depoimento à polícia prestado por Rodrigo do Nascimento Novaes da Silva, o RD, ladrão de carros oriundo do Chapadão.
Segundo ele, os chefes do tráfico do conjunto de favelas, integrantes do CV, “patrocinam” quadrilhas de roubos de carros, fornecendo armas e veículos para a prática dos crimes. Em troca, os ladrões aceitam levar os carros subtraídos para o conjunto de favelas. Em seguida, para devolver o bem ao dono, os traficantes exigem o pagamento de um resgate, cobrado de associações de proteção veicular que, por sua vez, fazem parte do conluio.
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“O valor pago pelos veículos, no Chapadão, é tabelado, dependendo do modelo do veículo. O que as empresas pagam pelos resgates dos veículos corresponde a 10% do valor da Tabela Fipe (que apresenta preços médios de veículos usados e seminovos no mercado brasileiro). Desse total, 30% vão para o grupo que participou do crime, e o resto fica com os traficantes”, explicou o criminoso à polícia. Os demais bens roubados das vítimas, ainda de acordo com o depoimento, também eram entregues na comunidade, para serem partilhados junto com o resgate.
— Antigamente, o carro que era roubado desaparecia. Ia para o desmanche, alimentava o mercado ilegal de revenda de peças, era usado em crimes e depenado… Não era recuperado. Começamos a achar que havia algo estranho acontecendo, pois o número de recuperações aumentou muito. Ou seja, o carro roubado está sendo devolvido. E tem gente lucrando com isso — explica o secretário estadual de Segurança, Victor César dos Santos.
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Em maio passado, a Polícia Civil cumpriu mandados de busca e apreensão contra sócios de quatro empresas recuperadoras que receberam mais de R$ 11 milhões em troca da devolução de mais de 1.600 veículos em um ano. Também foram alvos três PMs suspeitos de participar das negociações. Para a polícia, as recuperações de carros em tempo recorde — uma média de quatro dias — reforçam a suspeita de conivência entre as empresas e os traficantes. O esquema, afirma a polícia, está em vigor em várias favelas do Rio, além do Chapadão, e influenciou o aumento dos roubos de carro na cidade. A investigação segue em andamento.
A Polícia Civil do Rio afirma que “as facções criminosas são responsáveis por cerca de 80% de roubos de veículos”. Segundo a corporação, o negócio “passou a ser mais uma fonte de renda desses grupos, a fim de financiar suas atividades ilegais, as disputas territoriais, além de garantir pagamentos a familiares de faccionados, estejam eles detidos ou em liberdade”.
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— O roubo de veículos é parte de uma cadeia de valor criminosa. Envolve desmanches, leilões, locais de revenda de peças e, muitas vezes, corrupção policial. É um mercado de natureza organizada, e não casual. Diferente de crimes pontuais, aqui o combate passa necessariamente por ações regulatórias e estruturais: endurecer a fiscalização dos desmanches, rastrear peças e impedir leilões fraudulentos — defende Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF).
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2025-07-24 04:01:00