O que acontece com o celular após ser roubado? Veja o ciclo reconstituído pelo Mapa do Crime

O GLOBO rastreou o destino de um dos quatro telefones levados da família de uma servidora pública na Tijuca, num assalto ocorrido em 27 de dezembro de 2024. E assim se chegou ao Fallet, favela entre o Catumbi e Santa


O GLOBO rastreou o destino de um dos quatro telefones levados da família de uma servidora pública na Tijuca, num assalto ocorrido em 27 de dezembro de 2024. E assim se chegou ao Fallet, favela entre o Catumbi e Santa Teresa, na região central da cidade, que as forças de segurança já sabem ser um elo importante na cadeia dos roubos de celular. Esta modalidade de crime é o tema do segundo dia da série de reportagens baseadas na ferramenta Mapa do Crime, do GLOBO.

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Três dias após o crime perto da 19ª DP, a Polícia Civil fez uma operação na comunidade. O setor de inteligência de outra delegacia, a 7ª DP (Santa Teresa), havia recebido informações da chegada à favela de um caminhão carregado de drogas que seriam distribuídas pela Zona Sul para as celebrações de réveillon. No local apontado na denúncia, os agentes encontraram cinco toneladas de maconha no baú do veículo. Parte da carga já havia sido levada para um bar próximo, na Rua Guaicurus 124. Num cômodo escondido nos fundos do estabelecimento, a surpresa: policiais descobriram uma central clandestina de desbloqueio de celulares roubados, que funcionava a todo vapor.

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Foram apreendidos notebooks e 200 telefones roubados ou furtados em toda a Região Metropolitana fluminense naquela mesma semana — um deles pertencia ao filho de 13 anos da servidora pública. Entre os nove presos na operação, estava Patrick Fontes Souza da Silva, de 31 anos, que a polícia afirma ser um dos maiores receptadores de aparelhos roubados do Rio e responsável pela central de desbloqueio.

Aos agentes, Silva contou que, ao menos desde 2018, ele tinha uma loja no Camelódromo da Uruguaiana, onde revendia telefones roubados. Devido a seguidas operações policiais e a extorsões por parte de agentes públicos que descobriam a origem das mercadorias, afirmou o receptador, ele optou por mudar seu negócio. Mediante pagamento de um “aluguel” para os traficantes do Fallet, abriu a central clandestina dentro da favela, num local menos exposto a ações policiais. Para chegar à comunidade no dia da operação do fim de dezembro, por exemplo, a Polícia Civil precisou trocar tiros com criminosos.

O ciclo do mercado ilegal de aparelhos celulares — Foto: Editoria de Arte

Após serem desbloqueados, os aparelhos do Fallet seriam distribuídos a revendedores parceiros do camelódromo. A operação, portanto, desvendou que ladrões roubam os aparelhos e recebem de 10% a 30% do preço de revenda. Especialistas em desbloqueio, como Silva, recebem aparelhos de dezenas de ladrões diferentes, habilitam os smartphones para voltarem a funcionar e ficam com até um terço do valor arrecadado por aparelho. E, por fim, revendedores são responsáveis por colocar os celulares de volta no mercado.

Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF), ressalta ainda outro aspecto desse crime:

— O roubo de celular é uma das modalidades que mais impacta a percepção de segurança pública das pessoas. Isso porque está associado a diferentes caminhos: há a desmontagem e revenda de peças, a venda do aparelho inteiro ou ainda os golpes aplicados a partir dos dados contidos nos aparelhos.

No caso da operação no Fallet, os policiais envolvidos se impressionaram com o fato de, entre os telefones encontrados, havia produtos roubados em todas as regiões do município do Rio e até em cidades vizinhas, como Niterói.

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Silva e os demais especialistas dominavam técnicas de desbloqueio de telefones aprendidas na internet. Da web, baixavam programas capazes de modificar IMEIs (número identificador de cada aparelho) e derrubar barreiras de segurança de iPhones — considerados os celulares mais difíceis de acessar, porém, os favoritos dos bandidos, devido a seu valor de mercado. Usavam ainda técnicas de programação para testar inúmeras combinações de senhas até conseguir destravar os aparelhos. E tentavam acessar as contas bancárias das vítimas para fazer compras e transferências.

Daquela apreensão, afirma a delegada Kely de Araújo Goularte, responsável pela investigação, metade dos celulares encontrados na central clandestina foi devolvida a seus donos, inclusive o do filho da servidora pública tijucana. As vítimas não fizeram boletins de ocorrência ou não mencionaram o IMEI do aparelho.

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— O IMEI é como se fosse a placa de um carro, é a forma de identificar o aparelho. Por isso, é fundamental que o número seja informado no registro de ocorrência pela vítima do roubo. Só assim, conseguimos devolver os aparelhos — afirma a delegada, que reforça a importância de a população não comprar celulares roubados. — É isso que financia a cadeia criminosa.

Atualmente, o receptador está preso: em maio passado, foi condenado pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal da capital, a 12 anos e quatro meses de prisão pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico — por conta da droga apreendida na operação no Fallet. Sua defesa nega as acusações e recorre da sentença.

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A ficha criminal de Patrick Fontes da Silva reflete o que, para policiais que investigam os roubos de celular, é um dos entraves para combatê-los: a reincidência dos suspeitos. Silva já havia sido preso em flagrante duas vezes revendendo aparelhos roubados. Em abril de 2018, foi detido na Uruguaiana, após tentar vender um iPhone. Dois dias depois, foi libertado por decisão da Justiça. Já em janeiro do ano seguinte, foi detido numa ação da polícia na Feirinha da Pavuna, numa barraca repleta de aparelhos. Durante a abordagem, um celular tocou, e um dos agentes atendeu. Do outro lado da linha, uma vítima afirmou que havia sido roubada horas antes, em Duque de Caxias, e que aquele aparelho era seu. Silva ficou na cadeia por três semanas, até ter a prisão revogada, em 12 de fevereiro.



Conteúdo Original

2025-07-22 03:00:00

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