Quem é quem na família Bekerman, de origem judaica, que tenta reaver herança milionária ameaçada pela milícia em Búzios

A família Bekerman chegou ao Brasil em 1956, após uma crise provocada pela guerra entre Israel e os Estados Árabes. Empresário e construtor, Yaakov Leib Bekerman escolheu viver no Brasil com a família. De origem judaica, o magnata do ramo


A família Bekerman chegou ao Brasil em 1956, após uma crise provocada pela guerra entre Israel e os Estados Árabes. Empresário e construtor, Yaakov Leib Bekerman escolheu viver no Brasil com a família. De origem judaica, o magnata do ramo imobiliário mundial adquiriu um extenso patrimônio no Brasil, com a compra de terras no Rio e até de uma mineradora, em Roraima, no Norte do país.

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Com a morte de Yaakov, seus bens ficaram com os filhos Amnon Bekerman e Ruth Bekerman, que deram continuidade ao império da família. Dos dois, Amnon era o mais empreendedor e visionário. Adquiriu terras na década de 1970 na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, e em Cabo Frio, na Região dos Lagos.

Em 1992, com o crescimento socioeconômico e turístico do lado oeste de Cabo Frio, que passou a ser conhecido por influência, principalmente, da atriz francesa Brigitte Bardot, iniciou um movimento de emancipação. Assim nasceu, em 12 de novembro de 1995, o município de Armação dos Búzios, autônomo, separado de Cabo Frio. Com isso, a especulação imobiliária no local cresceu.

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Com a morte de Amnon, em 16 de outubro de 2002, seus bens ficaram com sua irmã Ruth. Aos 73 anos, vítima de um enfisema pulmonar, ela também morre, em 20 de junho de 2022, deixando uma herança bilionária aos filhos Yaron e Sharon Bekerman. Na divisão, Yaron, sobrinho de Amnon começa a levantar todos os bens da família que herdou, descobrindo os 240 lotes de Cabo Frio e Arraial do Cabo, que ultrapassariam R$ 30 milhões em valor. Há uma área com 64 terrenos de 600 metros quadrados dentro de um loteamento em Praia Rasa.

Parte dos 64 lotes de 600 metros quadrados foi incorporada a um condomínio na Praia Rasa, segundo o herdeiro — Foto: Victor Hugo Sales

Mas, com a fortuna em terras em área valorizada, veio também uma má notícia: os terrenos foram invadidos por milicianos:

— Há gente ruim que invadiu os lotes. A milícia. Meu procurador está tentando, de maneira legal, tirar esses bandidos de lá. Eu não moro no Brasil, então não conheço as leis daí. É muito diferente daqui. Em Israel, se bandidos tentam tomar suas terras, a polícia vem rápido e os tira. Não é algo que leve muito tempo ou esforço. Mas, pelo que eu entendo, no Brasil é um pouco diferente. Eu disse ao Anderson (Gaspari): “Precisamos tirar esses bandidos, porque o que eles estão fazendo é contra a lei” — afirma Yaron, por telefone, de Tel Aviv.

Como descobriram invasão da milícia

Quando chegou a Armação dos Búzios, em 2021, como procurador legal do herdeiro de uma família judaica dona de 93 lotes na cidade, Anderson Gaspari buscava localizar as terras do magnata israelense Amnon Bekerman. Com a certidão de ônus reais atualizada pelo cartório de Cabo Frio em mãos, dirigiu-se à Secretaria Municipal de Obras para consultar a planta dos terrenos.

Ao confirmar que as áreas estavam registradas em nome de Amnon, Gaspari decidiu cercar os terrenos, começando pelos dez lotes da quadra 222, da Rua Flamboyant, no loteamento Praia Rasa. O material pré-moldado para construção do muro chegou a ser descarregado no local, mas, segundo o procurador do empresário Yaron Bekerman, sobrinho de Amnon, os entregadores foram expulsos do local por pessoas que se identificaram como “donos do lugar”.

— Eram milicianos. Isso aconteceu às 7h do dia 18 de dezembro. Homens armados expulsaram o motorista e os ajudantes e roubaram todo o material do muro, avaliado em R$ 178 mil. E ainda filmaram e ameaçaram os entregadores — relata Gaspari. — Mais tarde, recebi uma ligação de um homem dizendo que eles eram os donos da cidade e estavam acima das instituições. Tentaram me intimidar. Fiz o registro na delegacia. Até hoje, vivo escondido, esperando por solução.

O episódio não é isolado. O promotor Rafael Dopico, do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e integrante do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), investiga há cinco anos a atuação de milicianos na Região dos Lagos. Segundo ele, a grilagem de terras e a exploração imobiliária irregular vêm se intensificando em Búzios nos últimos anos.

— No início, as milícias atuavam com fornecimento clandestino de água, “gatonet” e TV a cabo. Hoje, uma das formas mais lucrativas é a invasão de terrenos. Muitas vezes, ajuízam ações judiciais, com o respaldo de escritórios de advocacia, para dar um verniz de legalidade às invasões. Quando o verdadeiro proprietário tenta reaver o terreno, é intimidado com a ação judicial — e, não raro, com ameaças — explica Dopico. — Sem o título de propriedade, os milicianos costumam alienar a área por meio de documentos de cessão onerosa de posse.

Para o promotor, o que ocorre em Búzios lembra o processo de expansão da Zona Sul do Rio rumo à Barra da Tijuca, nos anos 1970, quando a valorização da área atraiu especuladores.

— A cidade está crescendo especialmente em direção à Praia Rasa. Estão surgindo vários condomínios, como o Aretê. A valorização das terras em Búzios tem despertado muito interesse de grupos criminosos — afirma.

O caso dos terrenos dos herdeiros de Amnon Bekerman é um dos investigados por Dopico, que abriu um Procedimento de Investigação Criminal (PIC). Segundo ele, a situação de Búzios é complexa, justamente por haver várias situações de posse da terra.

Denúncias de vítimas ameaçadas por milicianos se passando por donos de terras levaram o MPRJ a investigar um esquema de grilagem em Búzios. Em dezembro do ano passado, o Gaeco e a delegacia local prenderam sete pessoas envolvidas nas invasões na Estrada da Fazendinha. Segundo o MP, o grupo era chefiado por Esmeraldo da Conceição.

A segurança da quadrilha estaria a cargo de um nome conhecido da Justiça: o ex-deputado e ex-policial civil Natalino José Guimarães. Ele e o irmão, o ex-vereador e ex-inspetor Jerônimo Guimarães, o Jerominho, foram condenados em 2009 por posse ilegal de armas e formação de quadrilha. Juntos, lideraram a milícia Liga da Justiça, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Cumpriram dez anos de prisão. Jerominho foi assassinado em 2022, no mesmo bairro.

Em um trecho da denúncia do MPRJ, há a descrição de como a milícia atua:

“É certo que constitui prática comum por parte de invasores de terras a cessão de terrenos a integrantes das forças policiais ou a membros de conhecidas milícias, a fim de garantir a segurança das invasões promovidas e a ocupação irregular da área, impedindo que os reais proprietários exerçam seus direitos.”

Uma das imobiliárias investigadas, segundo Dopico, tem sede em Campo Grande. A operação que resultou nas prisões foi batizada de Spolia — termo latino que significa esbulho ou invasão.

O grupo também é investigado por crimes ambientais.

O autônomo Alexandre Oliveira foi uma das vítimas. Ele conta que mantém posse de um terreno na Estrada da Fazendinha desde 1994.

— Quem nos vendeu o lote também era posseiro, nascido e criado ali. Quase toda Búzios é assim. A grilagem começou pelos meus vizinhos e chegou até mim na pandemia. Cercaram tudo com muro. Já prestei depoimento na Justiça. A promotora me perguntou se eu vi arma. Respondi que não vi nas mãos, mas reconheci o volume sob a blusa. Eram 12 homens. Agora aguardo o julgamento para conseguir a reintegração de posse — disse Alexandre.

A Secretaria de Urbanismo e Regularização Fundiária de Búzios informou que o município tem áreas historicamente ocupadas de forma irregular, mas que já foram emitidos cerca de 100 títulos. Mais 600 estão para ser entregues. Segundo a prefeitura, a licença de obras depende de documentação comprobatória de posse ou propriedade, analisada por técnicos. Sobre os 93 lotes de Amnon Bekerman, a secretaria irá pesquisar os terrenos e pede que as pessoas denunciem irregularidades.

A Polícia Civil informou que o roubo do material de construção segue sob investigação na 127ª DP (Búzios). Segundo a delegacia, não há registro formal de milícia na cidade. Em Cabo Frio, a 126ª DP e a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) apuram a possível atuação de milicianos na região.

Procuradas pelo GLOBO, as defesas de Natalino e Esmeraldo não responderam.



Conteúdo Original

2025-07-07 04:30:00

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